Políticas X Polêmicas
Nos últimos anos, as decisões sobre políticas de cotas para negros em Universidades públicas e particulares ocasionaram muita discussão e furor nos panoramas políticos, nas mídias de grande acesso e em movimentos estudantis.
Opiniões se dividiram e até hoje se dividem quando a questão é inclusão e luta por direito à educação, primeiro porque é difícil acreditar em mudanças paliativas. Segundo, um sistema que favorece a entrada de estudantes saídos do ensino médio para ingressar no ensino superior só absorve parte do problema, ou talvez nem a sua metade. Fica à mercê da iniciativa pública o ensino educacional de base e os investimentos sólidos que merecem ser feitos principalmente nas escolas públicas das periferias.
Sabemos que é preciso ter ensino de base qualificado e bem remunerado para gerar condições e orientação educacional para que esses futuros candidatos passem pelo ensino superior. E, certamente, a política de cotas possui um caráter emergencial e paliativo e não abarca questões estruturais como a qualificação do ensino de base.
Outra questão é a racionalização, o fato de que o favorecimento de cotas participativas para indivíduos de pele negra possa criar elementos de segregação e desigualdade, estando assim submetida à análise de que num país extremamente mestiço e heterogêneo, onde pessoas de uma mesma comunidade, participando das mesmas condições sócio-econômicas venham a ficar de fora das políticas de inclusão por variações de cor de pele.
E talvez, num futuro próximo, estar diante de reações violentas e aviltantes em relação à qualidade dos serviços prestados por estes profissionais e pela sua qualificação diante da idéia de que o sistema “facilitou” as coisas para ele.
Enfim, seria ilusório não pontuar que o estabelecimento de cotas públicas que viabilizam acesso ao ensino superior não resolve o problema do acesso à educação de qualidade no Brasil, apenas “suaviza” índices e percentuais que enquadram a população negra como exclusa e ausente dos processos de desenvolvimento profissional e humano. Se a idéia é incluir negros em universidades para socializar as estatísticas e as universidades, correto. Mas não esqueçamos das medidas estruturais, que apenas a longo prazo podem materializar os esforços de agora.
Ainda há uma outra discussão que não gira apenas em torno das cotas estudantis, mas fala da tendência em “silenciar” humores quando se trata de defesa e mais participação social.
Ora, as estatísticas sociais mostram a evasão de negros e mestiços em postos de mão de obra qualificada, por exemplo, correto? Por sua vez, a violência nas periferias e a polícia aviltante são velhos conhecidos da comunidade negra e carente. Isto não é novidade. As diversas formas de “alijar” a condição de negro em todos os cantos do país são reais, manifestas.
No entanto, quando movimentos ditos “reacionistas” alcançam notoriedade e materializam as conquistas sociais nas quais estão em questão mais participação, citando o caso das políticas para estabelecer as cotas estudantis, o que percebe-se é uma reação onde os ânimos são acalentados com discursos do tipo “ vamos ser iguais”, não à segregação... Sendo que a mesma já existe... e é séria, está mentalizada e arraigada nos mais singelos comportamentos sociais, políticos, raciais, etc...
Pois então será que só agora o ato de “segregar” incomoda nos incomoda? Porque as retiram da posição confortável e observadora das disparidades humanas, ora essa. Agora, os não afetados não apenas se posicionam contra ou a favor... não há mais razão para emoções.... Há a possibilidade da ameaça concreta dos postos, da possibilidade que “o outro” conheça, conscientize-se, participe, interfira, ocupe poder e espaços de poder. Enfim, esta reflexão serve para que estejamos atentos à essas observações, muito tênues, mas que nos abrem caminhos para as nossas próprias atitudes e condicionamentos sociais, pois estes condicionamentos são o que vão nos conduzir para modelos de desenvolvimento inteligentes, participativos, válidos, estruturais.
Respeito muito às utopias para desprezá-las. Sem elas, não sonhamos. No entanto, tenhamos senso crítico para questionar que os modelos do socialismo clássico se esfacelam a cada década e geração.
Nada contra as intenções em fazer políticas que promovam “igualdade” social. Elas nunca fizeram mal à ninguém. Porém, antes, não custa nada “beliscar” um pouco a questão da xenofobia generalizada que ocorre em todo mundo.
Será que as intolerâncias são centralizadas, dualistas, totalitárias? Ou se enquadra no mecanismo contemporâneo de comunicação “de todos para todos”? Com toda a certeza e respeito aos simbolismos da Torre de Babel bíblica, o que se vê é uma diversidade de intolerâncias mútuas e ao mesmo tempo generalizadas e confusas, isoladas ou não.
A noção clássica de “igualdade” social, então, confunde-se cada vez mais com a esfera humana, esta cada vez mais complexa, cyborg, técnica, artificial.
Os cyberespaços culturais e a “cybersociedade” anda nos mostrando novos contornos, novos relacionamentos e vivências, novas ordens artificiais e dispositivos de comunicação, novos sistemas, novas socialidades¹ , inclusive no que diz respeito à noção de etnias e raças, tão transformadas pelo ambiente cultural múltiplo e virtual que nos absorve.
Portanto, as polêmicas já mostram que ocupam espaço demais e roubam não só a cena, mas o raciocínio político e a inteligência das pessoas. Enquanto as “opiniões de holofotes” ficam no centro das atenções, perdemos em profundidade e em diversidade discussões que podem ser válidas para a vida contemporânea.
¹Scheer, L., "La Civilisation du Virtuel", in Sociétés, Dossier Technosocialité, no. 51, Paris, Dunod, 1996.