"Boar on the floor"

Terminei, depois de muita peleja, a 1a temporada de Succession.

e CARAL@#$

Escrevo isso contradizendo o que eu falei antes em outro texto, sobre não gostar muito de crítica. Mas não vai ser bem uma crítica, só um amontoado de palavras (mentira, é crítica sim)

Logo de cara a série já nos confronta, já nos pergunta, o quão próximo da empatia (nem sei se é essa a definição certa) conseguimos chegar quando do outro lado estão bilionários, projetos de Elon Musks, Rupert Murdochs, ou pra falar de um exemplo brasileiro, um Sílvio Santos, e coisa e tal?

Mas pera, o Kendall hesita na presença do pai (e que presença!) gagueja, tem problemas com os irmãos, problemas de relacionamento, o passado o assombra, ele erra, ele tá perdido...ele...

A Shiv tá numa cruzada pessoal, quer se provar, se provar, é fatal, é rebelde, é frágil, é não-monogâmica, é nômade.

O Roman não é levado a sério. Nunca. É uma mistura de Peter Pan e bobo da corte com disfunção erétil. Não se importa com nada...mas será que ele não se importa, ou lá no fundo, esse psicopatinha quer mesmo um abraço, quer aprovação! Aprovação. É tudo sobre isso.

Dramas universais, não são?

Ah, eu quase esqueço do Connor...é que de todos eles, pra mim, ele é o mais desinteressante, mas não se engane, ele tão assustadoramente real quanto. Problemas de relacionamento (de novo), Bilionário anti-sistema, de azarão a presidente, qual é a próxima coisa? Criar um podcast? NFT, bitcoin?

Eles parecem tanto comigo, com você (Menos o Connor kk, talvez ele se pareça mais é com o Monark)

Como é possível? É isso, essa é a beleza da coisa. Colocar aquelas câmeras tão de perto, mas tão de perto, que vamos de intrusos a cúmplices rapidinho.

Não!

Nem eu, nem você (espero), nunca entregamos um malote de dinheiro, chantageamos, e fizemos alguém assinar um NDA por "livre espontânea vontade".

Nem eu, nem você, controlamos a mídia. Na verdade, se bobear, não controlamos nem a nossa vida direito, não controlamos nem como enxergam a gente da porta pra fora, não controlamos nem a nossa própria imagem no espelho. (Essa doeu)

Penso, penso, será que é nisso que eu tô me metendo? Será que é isso mesmo que eu quero pra mim?

Trabalhar na comunicação...

Será que eu quero ser colega de trabalho de pessoas tipo o Logan Roy, um tanque de guerra, um tubarão que vai me desossar com uma violência e classe absurda, e então sangrar a memória de toda a minha árvore genealógica, inclusive dos que ainda estão pra nascer, se eu cruzar errado o caminho dele?

Aí eu acho graça, aí eu lembro. "Colega de trabalho" Nunca. Não. Não. Eles são os 1% que chegam lá, eles são os do "Money wins", e eu não chegaria nem perto disso.

"Que bobinho, que idiota. Isso aqui não é caridade." o Sr Roy diria pra mim. Diria que Idealismo não paga as contas. É triste, e é verdade.

Dinheiro.

Dinheiro é onde se separa a nossa linha da empatia da série, estamos quase sentindo pena, mas aí eles usam helicópteros como se fossem Ubers, então nos desafogamos e odiamos a família inteira de novo.

Em um comentário sobre um dos episódios, a Patrícia Kogut escreve no título bem assim:

"Episódio de 'Succession' mostra trama quase inverossímil"

E então eu li isso e fiquei me perguntando...

Será? Será que é mesmo inverossímil? Depois do Brasil ter influencer divulgando casa de aposta, pra então dizer "jogou por que quis", festas lotadas na pandemia, qualquer ficção, por mais "inverossímil" que seja, é bobagem.

E então as coisas na série são como a montanha russa de um dos parques da Waystar Royco, toda hora o roteiro nos serve alguma coisa, desenha um problema novo. Ah, e falando em montanha russa. Parques. Greg. Greg "The egg", ele começa num deles, trabalhando, sendo alguém dentro de uma fantasia. Você pensa: "olha só, dessa vez alguém decente, alguém pra gostar, alguém normal"

é... talvez nem tanto.

Ele e o Tom fazem uma dupla estranhíssima, cômica. O Batman e Robin de Chernobyl. Você acha engraçado, e logo sufoca a risada, você percebe que o Tom é um desses caras de "cortes de cabelo de cem dólares e viciados em latte" que tá, na vida real, ocupando um cargo de poder exatamente agora.

Ok, tá, voltando. Não posso fugir muito pela tangente, já que como tudo que eu aprendi sobre Succession, as coisas sempre giram em torno dele, Logan.

O Brian Cox convence, e muito, fazendo um titã da comunicação, (ou como diria Shiv, um dinossauro). A presença dele é quase como um Sol, não, não, uma supernova, e que nem toda supernova, Logan chega até nós quase morrendo, já no fim, é assim que a série começa.

O que acontece quando uma presença tão imperceptível, magnética, mordaz, é agora, vácuo, ausência? O que acontece quando um pai de uma família está em coma? Mas pera, será que ele, algum dia, já chegou a ser um pai?

Não importa agora, não importa. Somos adultos, crescidos, essas coisas ficam pra trás, agora é trabalhar com o que temos, o passado já foi. Temos que tocar o barco. Tocar a empresa sem ele. Maturidade. Sucessão!

Mentira.

Eu achava que ia ser assim. Numa situação extrema, os irmãos, as coisas, iam correr minimamente ordenadas, diferentes. Errado.

E o Kendall de um jeito ou de outro, serviu como fio condutor pra esses dramas. Quando menos esperar, quando achar que você está se desaproximando da sua figura parterna, aquilo é na verdade, o chegar mais perto, o "tal pai, tal filho" determinante. Até quando ele monopoliza a atenção, quando o Kendall fala e é ouvido, (ao contrário da Shiv), a série quer dizer algo.

E o tremer das câmeras, os zooms, o ir do roteiro direto nos nossos nervos, o nunca diluir do conflito, o domínio da linguagem audiovisual, os cortes afiadíssimos, o texto...ufa!

Tudo isso deixa a coisa ainda mais deliciosa, com um saborzinho de amargo no fim. Pra lembrar sempre que, toda vez que ligamos, apertamos o play na série, temos naqueles ricaços o nosso próprio “Boar on the floor”.

É impossível parar de olhar.