Por que eu?
POR QUE EU?
Miguel Carqueija
Resenha do animê “Sailor Moon” (Japão, Toei, 1992-1997) – no original “Bishojo senshi Sailor Moon” (A linda guerreira Sailor Moon) – comentário da Fase Clássica (Reino Escuro), arco de Jedyte (episódios 1 a 13).
“Sou uma guerreira que luta pelo Amor e pela Justiça!”
(Sailor Moon)
Com certeza não é por mero acaso que a franquia de Sailor Moon, criada pela mangaká Naoko Takeushi, tornou-se, entre as japonesas, a mais prestigiada do mundo. Hoje em dia nenhum animê ou mangá supera Sailor Moon, uma personagem que veio para ficar. Tanto que, após o encerramento do mangá e do animê original outras criações foram surgindo, como a série em ação viva de 2003-2005.
A saga começa de fato com o mangá de Sailor Vênus, lançado em 1991; Minako Aino, a Sailor Vênus, era então uma guerreira solitária, apenas orientada pelo gato falante Artêmis.
Em 1992 já havia interesse em filmar a criação de Naoko, ela porém preferiu expandir o universo ficcional, criando o mangá de Sailor Moon, onde Sailor Vênus iria se integrar. Assim as personagens saíram da Kodansha (mangá) para a Toei (série de animação) e o sucesso foi rápido e assombroso.
O primeiro seriado da Princesa da Lua — hoje conhecido como a Fase Clássica — teve 46 episódios e narra a história básica de Usagi Tsukino (Coelha da Lua) que no Brasil e em outros países ficou conhecida como Serena. “Sailor Moon” é uma impressionante fantasia mística onde a profundidade do enredo surge camuflada por brincadeiras, tolices e infantilidades principalmente da personagem principal. Usagi, estudante japonesa de 14 anos, é infantil por natureza além de carregar vários defeitos: preguiçosa, medrosa, afobada, ruim nos estudos. Contudo a sua bondade é extraordinária. Ao receber poderes sobrenaturais e uma missão transcendental — da qual depende até o destino da humanidade — só aos poucos vai se dando conta de suas responsabilidades.
Eis os treze primeiros episódios, que constituem o arco de Jedyte:
1 - Como uma garota medrosa se transforma numa guerreira
2 – A casa da adivinha é um ninho de monstros
3 – Salvem as garotas apaixonadas
4 – Quer ficar magra?
5 – O misterioso perfume dos coelhos
6 – Serena é um bom cupido
7 – O longo e sinuoso caminho para o estrelato
8 – Terror no seminário lava-cuca
9 – O desastre de Serena: cuidado com o relógio
10 – O ônibus fantasma – Sailor Marte, a guerreira do fogo
11 – O parque de diversões
12 – Quero ter namorado: a cilada do cruzeiro de luxo
13 – Garotas, unamo-nos contra Jedyte
No confronto final com Jedyte, episódio 13: Sailor Moon, ladeada por Mercúrio e Marte; as três saem engrandecidas como guerreiras.
Serena é uma linda e meiga estudante japonesa de 14 anos, bastante avoada, mora com a mãe (Ikuko), o pai (Kenji) e o irmão mais novo (Shingo) em Tóquio, onde estuda no Colégio Juuban Júnior. Sua grande amiga na escola é Naru (Molly), filha da dona de uma joalheria; o colega Umino (Kelvin), meio aloprado, de início é apaixonado pela Serena. A Professora Haruna (Mônica) é temperamental e irascível.
Quando a história começa já existe a Sailor Vênus, uma guerreira misteriosa e solitária que, por ora, encontra-se em Londres, mas já virou jogo de computador, sendo como tal muito apreciada na loja de Motoki (Andrew), um rapaz por quem Serena é secretamente enamorada.
Esses nomes em inglês e geralmente sem nada a ver com os nomes originais dos personagens foram postos na dublagem norte-americana e acabaram também na dublagem brasileira.
Usagi costuma acordar tarde e vive esbaforida, engolindo de qualquer maneira o desjejum e saindo a toda para a aula e mesmo assim chega atrasada. Para piorar, suas notas são baixas.
A vida de Serena, porém, está em vias de sofrer radical mudança. Uma estranha gata negra, com sinal de meia-lua na testa, e a quem a menina salva de várias crianças meio malvadas, mostra-se um animal falante e revela a Serena quem ela é de fato — uma guerreira escolhida, a menina que, com a ajuda de um broche mágico (materializado magicamente pela própria gata, chamada Luna), se transforma na maravilhosa Sailor Moon.
É muito engraçado que Serena e Sailor Moon são iguaizinhas, até pelas marias-chiquinhas imensas, e ninguém descobre que são a mesma pessoa. É uma caso semelhante ao de Clark Kent/Super-Homem.
A transformação de Usagi em Sailor Moon é uma coisa sensacional, apesar do caráter ainda tosco do desenho (iria melhorar bastante nos episódios de longa-metragem).
No primeiro arco da Fase Clássica muita coisa deixa de ser esclarecida. Sailor Moon deve reunir as demais guerreiras e procurar a Princesa da Lua. Com as memórias obscurecidas, Luna não percebe que Sailor Moon é a princesa procurada. Luna também não recorda ao certo quem é o “nosso famoso inimigo”, como a própria Serena lhe cobra. Mesmo com poucas explicações, Sailor Moon e as duas guerreiras que aparecem — Sailor Mercúrio (Ami Mizuno) e Sailor Marte (Rei Hino) — vão combatendo as malignas (yumas, demônios extradimensionais) comandadas pelo cruel Jedyte, general do Negaverso (*) e servidor da maligna Rainha Beryl.
Neste início a infantilidade de Serena e a puerilidade de algumas situações podem criar uma imagem falsa de desenho “bobo”. Mas, o grande truque em Sailor Moon é a leitura múltipla, que pode ser infantil, adolescente, adulta ou mística. Nos pontos nevrálgicos a trama se adensa, se aprofunda. E Sailor Moon avulta então como uma verdadeira exaltação de valores, uma figura messiânica: “Sou uma guerreira que luta pelo Amor e pela Justiça!”
A parte do humor contrasta genialmente com o lado mais sério da saga. Serena é, de per si, engraçadíssima. No primeiro episódio ela aprende a se transformar em Sailor Moon. No segundo episódio, quando vai se transformar pela segunda vez, esquece as palavras mágicas e tem de perguntar à gata. E embora ela se dê bem com a meiga e meio apática Ami (nome japonês, não é “Amy” como surge na dublagem), com Rei, que estreia no décimo capítulo, a coisa é diferente: elas brigam constantemente, embora na verdade sejam grandes amigas. Outro componente engraçado é o colegial Umino, com sua mania de entrar na cena de repente, assustando as garotas da escola.
Como o objetivo da Rainha Beryl, enquanto não localiza o cristal de prata, é roubar a energia dos seres humanos para revitalizar a Rainha Metaria (entidade demoníaca derrotada no longínquo passado e que tenta retornar como os Grandes Antigos de Lovecraft), e como seu general Jedyte vai tentando vários expedientes com a ajuda das malignas, tudo se encaminha para um confronto definitivo com as três guerreiras, o que se dará no décimo-terceiro episódio, passado num aeroporto. De quebra o episódio apresenta um verdadeiro manifesto das guerreiras contra o machismo. (**)
(*) O termo “Negaverso” (universo negativo) é invenção da dublagem norte-americana, que baseou as dublagens mexicana e brasileira. O verdadeiro nome da organização maligna é Reino Escuro.
(**) Jedyte, que se julga extremamente poderoso, zomba das sailors por serem garotas, mas paga caro por sua arrogância.
Rio de Janeiro, 9 a 12 de fevereiro de 2014.
Nota: este texto, que comenta os 13 episódios iniciais, que compõem um arco da primeira fase do seriado original da década de 90, foi encontrado ainda inédito num caderno. O título da resenha refere-se à atitude de Usagi (Serena) que preferia continuar sua existência comum de adolescente, não entendendo porque foi escolhida para uma missão sagrada. Só com o tempo ela se conscientiza de sua herança cósmica e assume integralmente o seu destino messiânico.