CANÇÃO DO ACERTO DE CONTAS
Breve, julguei-me poeta,
mas nada entendia o ofício:
nenhum repertório ou métrica
— ritmo? Nem rastro no início.
Sem forma, mero calouro,
louvando todo abandono:
prece sem tom nem decoro,
folha dispersa no outono.
Quis muito a tantos louvar,
altivo, sem bem saber;
quis noutra data cantar,
mas foi um grito a se perder.
E foram tantos ruídos
— roucos, doídos, falazes —,
ao fim, fendiam ouvidos,
ferindo períodos e frases.
Mas eis que o tempo sussurra,
sopro veloz do caminho:
escuta o vento que dança,
sente o calor do teu ninho.
Dada atenção ao real,
gravada toda a canção:
tema nenhum é banal
no pulsar do coração.