Criança feliz
Andava de pés no chão,
Nu da cintura pra cima.
Cada palavra uma rima,
Cada rima uma emoção.
Andava na contramão,
Sem provocar acidente,
E também, de trás pra frente,
Sem nunca errar o caminho,
Pois seguia um passarinho,
Que cantava alegremente.
Fosse estio, fosse enchente,
Maré baixa, maré alta,
Ele jamais dava falta,
Do passado ou do presente,
Pois que era simplesmente
Uma criança feliz,
Com catota no nariz.
Soltava pum sem pudor
De esconder o odor...
Dizia: —fui eu que fiz!
Era seu próprio juiz,
Honesto, imparcial...
Fosse pro bem ou pro mal,
Senhorita ou meretriz...
Não desbotava o verniz
Pra enganar seu ninguém
E não mentia também
Pra esconder um pecado
Fosse presente ou passado
Do padre Nosso ao amém.
Ele ia muito além
Das fronfeiras do juízo,
Muito além do paraíso,
Onde o mal se rende ao bem.
Nunca fez mal a ninguém,
Pelo menos consciente,
Sempre foi obediente
Aos conselhos de seus pais,
Até que nos genitais,
Algo ficou diferente.
E então, dali pra frente,
Foi mudando a cada dia:
Já não cantava, nem ria,
Parecia um pouco ausente.
E não mais que de repente,
Foi ficando encabulado,
A julgar tudo pecado.
Até um simples desejo,
Acordava-lhe o pejo
E a sensação de culpado.
Cada dia mais calado,
Arredio e mais estranho...
Não queria tomar banho...
Deixando as coisas de lado.
Parecia envenenado
Por um tipo de peçonha
Que o matava de vergonha
Fosse um motivo qualquer
Como os seios de mulher
Mais rijos do que suponha.
Já duvida que a cegonha
É quem carrego o bebê