O mito do Ipê
-“Branca, sabes que de amor
sem lei nasceste, mas isto
fez-me jurar desde então
que esposarás Jesus Cristo!
Vestindo o hábito de monja,
Indo a um mundo mais sublime,
Redimirás tua mãe,
Me libertarás de um crime.”
-“Deste mundo, caro pai,
quem quiser dele se mude;
a minh’alma é tão alegre,
radiosa a juventude!
A dança, a música, o bosque,
Isto é o que minh’alma preza;
Não um catre solitário
Onde chorando se reza!”
-“Sei o que melhor te serve,
como eu disse assim será;
À viagem de amanhã,
Te prepara desde já!”
Mãos aos olhos leva Branca,
Tudo em sua mente se aduna;
A cabeça ardendo, louca...
Só lhe resta esta fortuna?
Seu cavalo branco, amigo,
Selado lá fora, espera;
Ela põe o pé no estribo,
Ir ao bosque delibera.
A noite vem do arvoredo
Cujo perfume a embevece;
O céu as estrelas mostra,
Doce anúncio se oferece.
Ela nos bosques penetra
Até o velho carvalho, onde,
Com flores que vêm ao solo,
Fonte mágica se esconde.
Embalada à voz das águas,
Canta a trompa, um som incerto.
Forte... cada vez mais forte...
Perto... cada vez mais perto...
E a fonte, presa em magia,
Brotando, um rumor espraia
Sobre os bosques das colinas,
Lua branda de atalaia.
Como em sonho, Ela delira
E ao olhar, pasma, ao seu lado,
Vê um garboso mancebo
Em corcel negro montado...
Será que os olhos lhe mentem?
Ou será verdade pura?
Flores de ipê ao cabelo,
Trompa de prata à cintura.
Ela então os olhos baixa,
Passa a mão na fronte e um gozo
O seu coração lhe inunda
De um encanto doloroso.
Ele se chega mais perto,
Infantil e suplicante;
Dela a alma se inebria,
Cerra os olhos, neste instante.
Com uma mão tenta afastá-lo,
Mas sente presos seus braços
De uma dor, de uma doçura
No seu peito em fortes laços.
Gritaria... mas não ousa,
Sua fronte cai-lhe ao ombro;
Seus beijos sem conta a boca
Dele sorve, em desassombro.
Carinhoso, ele a interroga
Mas ela a face lhe esconde.
E com voz doce, baixinho,
Pouco a pouco lhe responde.
Vão juntos, em cavalgada,
A ninguém ouvidos dando,
E no amor, vão um ao outro
Nos olhos se devorando.
E sempre vão mais além
Por sombras, de vale em vale;
E a melancólica trompa
Soa doce, soa grave.
O seu brando som se espalha
Pelos vales ressoante,
Mais suave... mais suave...
Mais distante... mais distante...
Sobre os pinhos das colinas
Segue a lua de atalaia.
E a fonte, presa em magia,
Brotando, um rumor espraia.