Redondilha do absurdo
Pelo idos de cinquenta,
Nas plagas do Piauí,
Um guerreiro guarani,
Vermelho que nem pimenta,
Atravessou a tormenta
Numa canoa furada,
Ao luar da madrugada,
Antes do sol dar bom-dia,
Que nem mesmo Deus sabia
O destino da jornada.
Por água doce e salgada,
Aventurou mundo afora,
Desde o ocaso à aurora...
Mosquito dando picada.
Sucuri, onça pintada,
Jacaré, escorpião...
Os cabras de Lampião
Espreitando na surdina,
E um facho de luz divina
Pra velar a escuridão.
Chuva, corisco, trovão...
Tromba dágua, ventania...
Água quente, água fria...
Fome, sede, solidão...
E foi-se inverno e verão,
Foi-se outono e primavera,
Não sabia mais quem era,
Mas sabia o seu destino:
Encontrar o peregrino
Que sua tribo venera.
E foi-se sonho e quimera,
Visagem, assombração...
Culpa, castigo, perdão...
Pressa, partida, espera...
Os uivos da besta-fera,
Como se fosse um gemido,
A contar no pé d'ouvido,
Feito o canto da sereia,
Sob um céu de lua cheia,
O tempo que foi perdido...
Após um forte estampido,
No céu surgiu um clarão,
Que chegou até o chão
Num lampejar colorido.
O Guerreiro destemido
Hesitou por um segundo,
Deu volta e meia no mundo
(O mundo do pensamento),
E nesse exato momento,
Caiu em sono profundo.
E sonhou com São Raimundo,
São José, São Benedito...
E foi um sonho bonito,
Revelador e fecundo:
Estava em noutro mundo ,
Que ainda não conhecia.
O mundo da poesia,
Ao lado de Zé Limeira,
Que, em tom de brincadeira,
Bendisse a filosofia :
“Eu sou filho de Sofia,
Fui aluno de Platão,
Aderaldo, Azulão,
Patativa, Cotovia,
Dos orixás da Bahia...
Tenho irmãos em Pernambuco:
Um barrão o outro eunuco,
E mais um, de mãe solteira.
Esse morreu da papeira,
Que desceu pro ossobuco.
O meu pai era maluco
De jogar pedra na lua.
Minha mãe andava nua,
Com espigarda e trabuco.
Meu avô era caduco.
Minha avó, muito mais nova,
Levou o velho pra cova
E foi morar numa ilha.
Hoje escreve redondilha,
Soneto, rondel e trova."
E quem quiser uma prova,
Zé limeira assim dizia:
"Basta ouvir a melodia
Na vitrola da alcova:
Um samba, uma bossa nova,
Um xaxado, um baião
Do finado Gonzagão,
Um bolero de Ravel,
Ou um tango de Gardel,
Nas cordas dum violão."
E de lá, até então,
Por capricho do destino
Zé Limeira, o peregrino,
Sob o luar do sertão,
Plantou o primeiro grão
Da setilha surreal,
E pôs um ponto final
No sonho do guarani,
E enterrou, no Piauí,
as cinzas do carnaval.
São Raimundo deu aval
Pra Drummund achar a rima...
Compor uma obra-prima,
Do achado de Cabral
E levar para Sobral
(State of Brazil),
Protegida por fuzil,
Chapéu de couro e gibão,
Como manda a tradição:
No primeiro de abril.
Pelo idos de cinquenta,
Nas plagas do Piauí,
Um guerreiro guarani,
Vermelho que nem pimenta,
Atravessou a tormenta
Numa canoa furada,
Ao luar da madrugada,
Antes do sol dar bom-dia,
Que nem mesmo Deus sabia
O destino da jornada.
Por água doce e salgada,
Aventurou mundo afora,
Desde o ocaso à aurora...
Mosquito dando picada.
Sucuri, onça pintada,
Jacaré, escorpião...
Os cabras de Lampião
Espreitando na surdina,
E um facho de luz divina
Pra velar a escuridão.
Chuva, corisco, trovão...
Tromba dágua, ventania...
Água quente, água fria...
Fome, sede, solidão...
E foi-se inverno e verão,
Foi-se outono e primavera,
Não sabia mais quem era,
Mas sabia o seu destino:
Encontrar o peregrino
Que sua tribo venera.
E foi-se sonho e quimera,
Visagem, assombração...
Culpa, castigo, perdão...
Pressa, partida, espera...
Os uivos da besta-fera,
Como se fosse um gemido,
A contar no pé d'ouvido,
Feito o canto da sereia,
Sob um céu de lua cheia,
O tempo que foi perdido...
Após um forte estampido,
No céu surgiu um clarão,
Que chegou até o chão
Num lampejar colorido.
O Guerreiro destemido
Hesitou por um segundo,
Deu volta e meia no mundo
(O mundo do pensamento),
E nesse exato momento,
Caiu em sono profundo.
E sonhou com São Raimundo,
São José, São Benedito...
E foi um sonho bonito,
Revelador e fecundo:
Estava em noutro mundo ,
Que ainda não conhecia.
O mundo da poesia,
Ao lado de Zé Limeira,
Que, em tom de brincadeira,
Bendisse a filosofia :
“Eu sou filho de Sofia,
Fui aluno de Platão,
Aderaldo, Azulão,
Patativa, Cotovia,
Dos orixás da Bahia...
Tenho irmãos em Pernambuco:
Um barrão o outro eunuco,
E mais um, de mãe solteira.
Esse morreu da papeira,
Que desceu pro ossobuco.
O meu pai era maluco
De jogar pedra na lua.
Minha mãe andava nua,
Com espigarda e trabuco.
Meu avô era caduco.
Minha avó, muito mais nova,
Levou o velho pra cova
E foi morar numa ilha.
Hoje escreve redondilha,
Soneto, rondel e trova."
E quem quiser uma prova,
Zé limeira assim dizia:
"Basta ouvir a melodia
Na vitrola da alcova:
Um samba, uma bossa nova,
Um xaxado, um baião
Do finado Gonzagão,
Um bolero de Ravel,
Ou um tango de Gardel,
Nas cordas dum violão."
E de lá, até então,
Por capricho do destino
Zé Limeira, o peregrino,
Sob o luar do sertão,
Plantou o primeiro grão
Da setilha surreal,
E pôs um ponto final
No sonho do guarani,
E enterrou, no Piauí,
as cinzas do carnaval.
São Raimundo deu aval
Pra Drummund achar a rima...
Compor uma obra-prima,
Do achado de Cabral
E levar para Sobral
(State of Brazil),
Protegida por fuzil,
Chapéu de couro e gibão,
Como manda a tradição:
No primeiro de abril.