CORDEL DA LUA DE SANGUE E DO SOL ENCARNADO / Quinta Parte: A LUA DE SANGUE

Quinta Parte:

A LUA DE SANGUE

Havendo Deus ou não, eu

Vi quando o sol s’escondeu

E a lua cresceu no céu.

Quando plena, todavia,

Sangrou por sobre o papel

Até se tornar cordel

E resplender em poesia:

A lua à sombra da Terra

Sumia como se a guerra

Que tem co’o sol a cortasse

E, ao fim, a ocultasse inteira.

De facto, quem ora olhasse

Mais e mais obscura a face

Veria d’esta maneira.

Mas quando escura de vez,

Ao invés de sumir, talvez

Quisesse o sol lhe sangrar

Tal como fora sangrado.

Assim, n’esta hora e lugar,

O sol soube à lua outrar

Com seu rubor encarnado.

Plena noite, a lua plena

Deixa d’enluarar serena

Os céus da minha terra

Para sangrar d’encarnado

Feito o sol que se desterra

Ao se pôr de trás da serra

Depois do dia acabado.

Porém, além da beleza

-- E, sobretudo, rareza --

Nada sobrenatural:

A lua volta da sombra

A pratear sempre igual...

Sem vir juízo final

O eclipse já não assombra.

Não que não houvesse guerra

E peste e fome na Terra,

Além de grandes tragédias,

-- Quer naturais ou nem tanto...

Mas nada acima das médias

A grafar enciclopédias

Com mais verbetes de espanto.

Não houve o que estava escrito;

Nenhum poder infinito

Perseguiu os cristãos justos.

Tampouco arrebatamentos

Ou outros eventos robustos

A deflagrar entre sustos

Finais acontecimentos.

O que houve foi outro dia

Com a sua travessia

Para o crente e para o ateu.

Nada novo se contou...

Nada novo s'escreveu...

Pois tudo isto aconteceu

E o mundo não se acabou.

Betim - 02 06 2018