CORDEL DA LUA DE SANGUE E DO SOL ENCARNADO / Primeira Parte: AO POENTE

CORDEL DA LUA DE SANGUE E DO SOL

Primeira Parte:

AO POENTE

Desde o tempo dos antigos

Estes dois arqui-inimigos

Veem-se às vezes face a face.

Tinham os olhos sangrando

Ao longo de longo impasse,

Soltando, sem que findasse,

Faíscas de quando em quando...

Era o sol em agonia.

Era a lua em pleno dia.

Era ele o sol encarnado.

Era ela a lua de sangue!...

Eram os dois lado a lado:

Ele, rubro e envergonhado;

Ela, 'inda pálida e exangue.

O sol, ferido ao declínio,

Um firmamento sanguíneo

Deixa após si n'Ocidente.

Já a lua, vespertina,

Surgia em quarto crescente,

A luzir quase ao poente

Face ao sol e sua sina.

Como acontece há milênios

Pelos celestes proscênios,

Sucedia a lua ao sol.

D'esta feita, todavia,

Depois do rubro arrebol

Passando à cheia (um farol!)

Diversa se prometia...

Segundo efemeridades,

Estas astrais potestades

Transitam bem regulares

Quando vistas cá da Terra:

Têm das luzes estelares

Certas datas e lugares,

Que cada eclipse encerra.

N'aquela noite, portanto,

Para universal espanto

Mais um eclipse lunar

Estava escrito no quadro:

Havia-de se ocultar

A lua, até s'escutar

Mais alto de cães o ladro.

Com efeito, a lua cheia

Às imensidões clareia

Enluarando a cordilheira!

Pois, finda a fase crescente,

A lua se mostra inteira

E domina, companheira,

A noite resplandecente.

Pouco a pouco, todavia,

A sombra da Terra havia-

De lhe ocultar toda a face.

E o luar obscurecido

Avermelha-se fugace,

Tornando-se ao desenlace

Rubra qual sangue vertido.

* * *