cerzidos, chuleados & bordados de um Tatu *
meu pai era ferroviário
que fazia seus bordados
coseu com linhas de aço
bordou com torquês e trado
caseou junto aos trilhos
usando arco de pua
e de distância em distância
pregou muitos parafusos
com mãos grossas e calosas
chuleou tapetes de britas
moldou aceiros em volta
e contemplou obra feita
assim se deu com meu pai
com ele aprendi ofício
entre pedras e dormentes
me ensinou a coser
imitei seus chuleados
repeti os seus cerzidos
mas eu machucava os dedos
porque não tinha dedal
cadê barulho de trem?
vida provoca surpresas
segui pra cidade grande
e deixei de ser criança
moldes que meu pai usava
andam grudados em mim
deles eu não me desfaço
fazem parte do que sou
as colchas de meus retalhos
alinhavo com palavras
faço chuleados com métricas
rimando de vez em quando
esperanças vão fugindo
co’os ponteiros do relógio
mas o meu kit-costura
providencia um remendo
(São Paulo — SP, 23.04.2015)
* Nota: Tatu era o trabalhador braçal ferroviário que debaixo de sol e chuva cuidava da manutenção da linha do trem; era o último segmento da base da pirâmide social da empresa ferroviária.