A Formiga dupla

A João Cabral de Melo Neto

A formiga dupla

Subindo na noite.

Não percebe o ruflo

Do instinto, o açoite

Dos dedos, a festa

Tácita do não.

Soubera do incesto

Quando esta criação

Matou, criação cínica,

Morta, Dissolvida.

Que sou? Mero clínico

Inerte, sem vida

Que cuide. No espinho

Irreal, não-objeto:

Formiga calminha

Não tece o trajeto

Sensato, da pedra

Cabralina, mago

Moderno do metro

Descasca no lago

As fezes, poesia.

Formiga sublima

Tropeço erudito

Na face, no clima

Entreposto. Acíclico.

Madeiras meninas

Formiga sem quilo,

Duplamente inclina

Um périplo denso:

Correndo Cabral

Melado: Que a tensa

Severina mal

Desponta vereda

Suspensa, plumada

Em seda, em medo.

Cabral, galo, espada.

Poesia, poesia.

Somada ao despojo,

Sugada do tato,

Escrita do nojo.

Afasta dejetos

Primeiros, se mia

A beleza, o nexo.

Cabral: rio: poesia

Heitor de Lima

Heitor de Lima
Enviado por Heitor de Lima em 05/12/2014
Código do texto: T5059217
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