A Formiga dupla
A João Cabral de Melo Neto
A formiga dupla
Subindo na noite.
Não percebe o ruflo
Do instinto, o açoite
Dos dedos, a festa
Tácita do não.
Soubera do incesto
Quando esta criação
Matou, criação cínica,
Morta, Dissolvida.
Que sou? Mero clínico
Inerte, sem vida
Que cuide. No espinho
Irreal, não-objeto:
Formiga calminha
Não tece o trajeto
Sensato, da pedra
Cabralina, mago
Moderno do metro
Descasca no lago
As fezes, poesia.
Formiga sublima
Tropeço erudito
Na face, no clima
Entreposto. Acíclico.
Madeiras meninas
Formiga sem quilo,
Duplamente inclina
Um périplo denso:
Correndo Cabral
Melado: Que a tensa
Severina mal
Desponta vereda
Suspensa, plumada
Em seda, em medo.
Cabral, galo, espada.
Poesia, poesia.
Somada ao despojo,
Sugada do tato,
Escrita do nojo.
Afasta dejetos
Primeiros, se mia
A beleza, o nexo.
Cabral: rio: poesia
Heitor de Lima