DÉCIMA DO ENFARTADO
O povo é sangue que corre
na coronária da vida,
esgualepada, entupida,
não vive pleno nem morre.
O anestésico socorre
mais a alma que a matéria,
contudo, a dor mais séria
que o deixa em estado crítico
é que cada mau político
obstrui alguma artéria.
O nobre pobre povão
que busca o que lhe é jus,
ao necessitar do SUS
espera ou fica na mão.
- E, aguenta coração,
sentindo a menos-valia.
Carece uma angioplastia
para um stent invasivo,
porque não basta estar vivo
num sistema em isquemia.
Quando se cai na emergência
particular, sus, convênio,
depara-se com o gênio
inventor da displicência.
Recalcado, sem clemência
quem era pra ser de ponta.
É desconfiado que afronta,
duvida da dor do peito.
A saúde não tem jeito
nem tendo quem pague a conta.
Se entra na fila de espera
cada um conta co’a sorte.
Sob os acenos da morte,
por temeroso ou por quera,
o taura se desespera,
ou então se agiganta,
mas nada disso adianta.
O andar da noite longa
mais parece uma milonga
de bandoneón na bailanta.
Doutorzinho arrasta os pés
num andar sem sobressalto,
a doutora bate salto
como marujo em convés.
São canções os chamamés
que movem brancas silhuetas
e a dor, chamamés macetas,
repletos de sapukays.
Bailam nos gritos e ais
as foices e as capas pretas.
Mas tudo isso é resquício
da inércia que vem de cima,
de um comando que não prima
em combater esse vício.
Quando não falta munício
falta humanismo e respeito
porque se afronta o direito
por triste ignorância,
vestida de arrogância
do cadastro até o leito.
O coração do elemento,
este churrião da matriz,
causa espasmo no país
com gordura no orçamento.
Coração que sopra vento
em tremendo desvario
tão febril, com calafrio,
pratica o tanto por cento.
Autoriza investimento
se alguém garante o desvio.
Os governos vão aos rodos,
na mesmice, pro abismo.
Precisam cateterismo,
religar os eletrodos.
É claro que não são todos
mas a triste maioria.
Um cardiograma diria
onde há trombo ou lesão.
Orçamento é hipertensão,
saúde, hipotonia.
Começou tudo errado
com Pero Vaz de Caminha
pedindo uma boquinha
na Corte pro seu cunhado.
Este país enfartado
pela pressão arterial,
desde o tempo de Cabral
confunde valor com preço.
Merece um recomeço
para um saudável final.