O LODO E A PURPURINA

De carnaval era festa

e a brilhosa purpurina,

feliz, enfeitava a testa

da jovem de bailarina.

Ao ver num canto da casa

um velho lodo incrustado,

pôs-se a gozar dessa vaza

em tom de grilo inspirado:

“E tu aí, senhor lodo,

não vais pular carnaval?

não vais entregar-se, todo,

ao prazer municipal?”

O lodo, tranquilamente,

desdenhando a zombeteira:

“Estou muito mais contente

longe de tal brincadeira.”

“É claro, pois empecilho,

- a brincalhona não cessa -

um velho que não tem brilho

não tem nenhum que o impeça...”

“Cada um tem sua sina,

- diz o lodo, em tom suave -

minha cara purpurina,

não é livre nem a ave...”

“Diz isso que és infeliz,

não podes pular na festa,

não tens brilho nem matiz

e és contraste do que presta!”

O lodo, enfim irritado,

com aquela tamanha ofensa,

deixa a nobreza de lado

põe-se a dizer o que pensa:

“Tu achas que és grande, cara?

mas eu que tenho vivido

e visto coisa mais rara

que um carnaval desmedido!

Perguntes a esta parede

há quanto tempo estou nela,

há quanto tempo meu verde

cobre sua tinta branquela!

Sou purpurina do tempo,

seu rosto velho é que enfeito,

tu gozas um passatempo,

desse passar eu sou feito!”

“Mas qual é mesmo o papel

que cumpres em sua vida?”

Diz a outra, em tom cruel,

pra não ficar de vencida.

“Meu papel é dar memória

- responde – a quem, como tal,

pensando que a vida é glória,

se esquece do natural.

Quer saber mais, purpurina?

Se me desdenha essa gente

amalucada e libertina,

muito mais vivo contente,

pois quem, de festa com sede,

lembra de um lodo coitado

que a sua branca parede

suja de verde molhado?!

Quanto a ti, que vais fazer

quando essa festa acabar?

Que rosto vai te querer

para, brilhando, o enfeitar?

Vais ser lançada no lixo,

no lixo, depois da festa;

sem lembrança do capricho

que agora enfeita essa testa.”

E estas palavras do lodo

não tardaram a cumprir,

a jovem, vestida a modo,

antes mesmo de sair,

eis lança fora a brilhosa,

esta coçava-lhe a testa

e não podia, ansiosa,

arriscar perder a festa...

No lixo, entregue, a infeliz,

no último sopro ela diz:

“Ah, velho, não diga nada,

deixa eu morrer sossegada.”

Kleiton Muniz
Enviado por Kleiton Muniz em 15/07/2013
Reeditado em 15/07/2013
Código do texto: T4387393
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