"A SOLIDÃO DO ENVELHECIMENTO"
A Solidão do Envelhecimento
Naquele minúsculo apartamento da Jaguaribe, Paschoal vivia a chegada da velhice e sua irmã de criação – a solidão. Por vezes alguma coisa, um acontecimento o devolvia a um estado de animo largo, mas logo quedava, se deixando ficar. No sofá se punha e acabrunhado se entregava às recordações do passado. Até o Igor, espada na sua opinião, tinha ido morar com a sua ex-mulher. De lembrança ficou-lhe a coleira comprada num pet-shop do bairro. Portador de diabetes e outros achaques reclamava ao andar pelas ruas; declinando das subidas e privilegiando as descidas. Obrigava-se como estratégia a sair de casa todos os dias para comprar algum alimento. Assim poderia falar um pouco com alguém. Com vagar pesado e lento retornava à cela residente. Preparava meticulosamente sua comida. O molho de tomate demandava quatro horas de feitura. Por fim, sozinho se punha a comer. E novamente o sofá acomodava os quase oitenta anos de vivência. A rotina expulsava qualquer momento criativo. O desânimo batia sem dó. Nada o motivava. A singular tristeza em que vivia era somente quebrada aos sábados quando ia encontrar seus companheiros no botequim da esquina. Um banho caprichado, cabelos penteados, calça preta e camisa branca faziam-no sentir-se bem. Com ansiedade se punha a caminho. Era sempre o primeiro a chegar. Ficava de sentinela do outro lado da calçada enquanto o Eugenio colocava as mesas e cadeiras para fora do bar. Vez ou outra olhava para o anelzinho do palestra, herança do seu falecido pai. Fora sempre um bicho urbano, pouco conhecia de outras partes. Tinha trabalhado duro, desde criança e não sobrara tempo para viajar. Algumas vezes tomou banho de mar e do Brás pouco saiu. Residia agora em Santa Cecília, encostado na Santa Casa. Nesse momento chega o Dorival que lhe acena e o chama.
- Como é velho, vem ou não vem?
- Velho é aquela que o pariu.
- É belo a vechiaia é bruta.
Sabe Dori, esta semana quase liguei pra você. Me deu um banzo, uma angustia que vinha de lá de dentro. Até chorei. Que merda, a gente fica velho e acontece todas essas coisas. Mas agora estou bem.
O garçom Eugenio serve as bebidas, enquanto aguardam a chegada do Léo e do francês. Da mesa de onde se encontravam tinham ampla visão das pessoas que por ali transitavam. Comentários jocosos sobravam à falta do que fazer. Modo de ser, mo’dizer. E juntos enalteciam os atributos lascivos daquela morena que saía do flat vermelhinho. A saia justa, colada ao corpo denunciava a exuberância de carnes firmes que possuía. Estupenda potranca concordavam. A uma buzinada vêm o carro do Léo encostar, acompanhado do francês.
-Olá meninos, como vão?
Bem, responde a dupla já chegada.
Sentam-se e pedem cerveja sem álcool.
Meu, o gosto dessa cerveja é a mesma coisa que dançar com a irmã, não tem sabor, é tão sonsa quanto vocês dois diz o Paschoal.
Já vai começar, retruca o Léo. Saibam que hoje fiz uma ótima caminhada, dei duas voltas completas pela praça Buenos Aires.
Contrapondo o Dorival fala algo em torno de seis quilômetros.
O que?
De carro naturalmente, da minha casa até aqui, porra!
O francês calado observa os companheiros. Então solta a bomba, o que vocês acham da velhice?
Velho não serve para nada, vive de lembrar. Na minha época, no meu tempo. É um traste de final de curso.
Veja, o Tony vem aqui tomar vinho e declamar poesias. Enche a cara e embebeda até a solidão que leva para casa.
Aqui nos encostamos uns nos outros para não morrermos de tédio. Dispomos de todo o tempo para fazer o que desejamos e simplesmente nos esquecemos.
Quem vai abrigar um velho. Só prostituta da Estação da Luz e assim mesmo por dez minutos.
O fato é que nem contando historinhas para os netos eles se agradam de nós.
E quando ficamos doentes? Brada o Paschoal.
O fato é que vivemos correndo desde que nascemos. Pouco soubemos aproveitar o que a vida nos oferecia. E agora não adianta se lamentar. Este caminho temos que percorrer sozinhos, não permitem dublês. A inpossiblidade d’alma, os amores passados, a solidão do só, o canto do quarto, o desespero solitário, a pomba no peitoril da janela é mero cenário que o contra-regra perspassado de sensibilidade ajeitou diante da incapacidade de aceitarmos a Solidão do Envelhecimento.
Todos se levantaram e cada qual seguiu o seu caminho pensando quem sabe na semana que vem eu vou vê-los novamente!
paulo costa
maio/2008