"CHEGA DE SAUDADE"

CHEGA

DE

SAUDADE...

O cortejo de figuras com passado testemunhado pelas rugas da idade flui no presente com emoção, trazendo toda a carga que a vivencia humana é capaz. E pensando bem a vida continua. A um canto escuro do salão qual Tolouse-Lautrec podia observar as mulheres e seus pares junto às mesas. Espera, aquele ali é sem dúvida o Valentin le Désossé na pele do Dionizio, aquele outro de viés blasé, o Eudes, parece-me com o Inglês do Moulin Rouge e La Goulue se assume pela reforçada Aurelina. Mais um gole e vê em Elza La Mélinite, a Jane Avril por quem Lautrec era fascinado. Para uma cena real de um passado distante faltavam a pelerine, as luvas, chapéus e sombrinhas que compunham o vestuário das damas de Montmartre. Enquanto isso o esperto garçom vai despejando bebida pelos copos e tricotando pequenas deixas naquela festiva reunião dançante. A maquiagem reforçada em vão tenta disfarçar as pregas vincadas naqueles rostos que um dia foram suaves e frescos. De há muito os cavalheiros deixaram de ser Petrônio, cultivam uma acomodada cintura em roupas vencidas pela moda, um tanto amarfanhadas, recém dormidas. O volteio dos pares pela pista anima o fala-fala daqueles que ficaram de fora. Insinuações pouco recatadas são lançadas, embaraço e constrangimento desesperam aquelas que tomaram chá de cadeira. Acenos e intimidações não convencem, cada um luta a sua maneira para que a noite lhe seja boa. Não adianta se insurgir e no auge da angustia é pagar o cafetão para bailar. A cantora decadente embala as saudades ressentidas e os amores perdidos nas alcovas do destino. As aventuras não vividas são imaginadas, quase reais.

O encanto de uma jovem faz renascer o charme de um velho conquistador que se lança num lirismo antítese que a modernidade não conhece, mas sensibilizada cúmplice se torna. E o gordo Ferreira avesso a tudo se diverte só como truão de uma côrte irreal. A idade embota a memória e se perde no caminho, mas a vontade de ainda viver um romance impede o voltar sozinha, para um mundo sombrio, privilégio daqueles que conseguiram ser velhos. Os amantes se cruzam em olhares insidiosos que a traída aceita por convencimento. Agora sozinho à mesa, o pé de valsa numero um bebe e na sua irritação insuportável se põe a criticar tudo e a todos, paradigma de sua falsa comiseração. A libido se esfrega no tango trazida pela mulher rica e a preterida lamenta a mascara de rugas que a vida deixou. Convicta, se deixa ficar. Os ciúmes e o despeito tomam conta daquele que não é capaz. O manto da noite cobre as insatisfações do dia. Os queixumes de caderneta são trocados, novas anotações se impõem. Inicia-se a madrugada falam coisas, não dizem nada, curtem moafa.

Chega de Saudade!

paulo costa

abril/2008

paulo costa
Enviado por paulo costa em 26/04/2008
Código do texto: T962391
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