Viagem pela Literatura
O relógio marcava onze horas, há horas estava lá, continuava sentado, parado, estático, pensando como faria aquilo. O som que vinha da sala ao lado o incomodava, mas nem por isso deixaria de faze-la hoje.
Seus olhos ficam vidrados, palavras e idéias confundem-se, e numa fração de segundos difundem-se, numa viagem dentro de seu subconsciente.
Como num estalar de dedos, uma idéia surge em sua cabeça, e a folha que antes estava branca, começa a ganhar leves traços de grafite.
A trama ganha mistério, os personagens características e os rabiscos, agora lapidados, o envolviam cada vez mais num universo paralelo. O barulho já não incomodava mais e o silêncio da madrugada lhe invadiu a mente.
Em meio a tantos devaneios, ele por fim havia voltado à triste realidade, vislumbrando no outro canto da sala o relógio que agora marcava três horas. A fascinação que lhe acometia dera lugar a uma ansiedade perturbadora, que lhe roubou as idéias com a mesma rapidez com que estas chegaram. E, de forma que sua aflição ficasse ainda maior, inúmeras sensações despertaram em seu interior. Sensações que não eram nem um pouco aliviadoras: dor de cabeça, cansaço, sede, fome e agora, devido à pressão do tempo, também começara a sentir náuseas.
Percorreu desiludido cada canto de sua casa, tentando fazer com que suas idéias voltassem a fluir. Mas uma força maior lhe bloqueava os pensamentos. Sentia-se como um prisioneiro encarando a muralha de seu calabouço. Aquela força não era nada mais do que uma necessidade humana. Uma necessidade impulsiva que não lhe dava trégua: o sono.
E foi ao encarar sua cama arrumada e convidativa que lhe surgiu o pensamento de que todo aquele esforço era ridículo. Era muito mais simples deitar-se e repousar sua mente, há muito esgotada. Sem pensar duas vezes, foi o que fez.
De repente, ao entrar em contato com a maciez de seu colchão, leveza e liberdade substituíram aquele cansaço lancinante. Um sentimento surreal lhe invadiu o corpo à medida que seus olhos se fechavam, e em questão de instantes, ele os abriu novamente. Mas não estava mais em seu quarto, muito menos em sua cama macia. Foi então que exposta diante de seus olhos, uma caligrafia familiar começou a formar frases. O mais curioso era sentir que o texto que se desenvolvia também lhe era familiar. Ainda não se lembrara de onde havia visto aquelas palavras, quando a mão invisível que as escrevia parou repentinamente em um ponto desconexo, e ao tornar a escrever, compôs frases da 'qual ele não podia mais se recordar, mas que pareciam o complemento perfeito.
A cena se apagara de sua visão e ele agora se encontrava novamente em seu quarto sentindo um suor frio lhe percorrer a testa. Levantou-se num pulo e antes que percebesse, sua mão empunhava um lápis que agora escrevia compulsivamente.
Por um minuto parou para pensar: ele nunca havia reparado no prazer que aquilo lhe causava. A sensação de estar completamente dominado por um ideal, o desejo de criação, de inovação; era um momento único, mas que ficaria eternizado nas linhas daquela folha.
Colaborações:
Marcio Ferreira
Tamires Lemos