"CALOR, CACHORRO E FUGA"
"CALOR, CACHORRO E FUGA"
Naquele final de semana fui à chácara, embora não estivesse muito disposto. Tinha tido uma semana bastante atribulada e cansativa, mas as saudades dos cachorros me fizeram mudar de idéia.
Transcorria o mês de março, o CALOR reinante naqueles dias era de fazer qualquer um suar em bicas. Por volta das quatro horas da tarde daquela sexta-feira, despedi-me de minha secretária e iniciei o périplo das compras.
Dizia-me um amigo que bom era ser amigo do dono da chácara e não proprietário.
É verdade, dá uma mão-de-obra insana.
Iniciei pelo posto de gasolina abastecendo os tonéis com óleo diesel, no açougue carne para os cachorros, bebidas, frios fatiados e algumas frutas compunha o arsenal costumeiro.
Vestindo um conjunto esportivo, de tênis, percorri a movimentada avenida até atingir a estrada que me levaria até Ibiúna. Situada a cerca de oitenta e dois quilômetros de onde morava, levaria aproximadamente duas horas, isso se os caminhoneiros não resolvessem competir.
De feitura singular, a via dispunha somente de duas pistas, daí a dificuldade em ultrapassar e as sinuosas curvas replicavam “vem para cá meu bem, vá para lá minha sogra" denunciando ora à direita, ora à esquerda. Não bastassem os caminhões e os ônibus, aqueles pangarés pilotados por pançudos de barba por fazer não tinham o menor pudor em atrasar o séqüito de carros às suas costas, cujos motoristas enalteciam sua mãe com elogios como...“seu filho da puta, corno manso”... e outros que declino de contar, não por vergonha, mas por comedimento.
De que adianta, já passou!
Neste momento me encontro no trecho que considero o mais bonito do trajeto. Um renque de árvores ladeia a estrada - são araucárias, ipês de flores amarelas, carvalhos de estirpe que guardam os intervalos e um campo verde de cultura se esparrama pelas margens indo até lá o fim.
É lindo, precisam ver!
Acelero um pouco mais, o entardecer me preocupa e minhas vistas sofrem com a noite chegando.
Opa! Que bom, já diviso o cemitério, em seguida transponho a praça central e já estou novamente na estrada. São mais dez quilômetros de curvas e retas.
Os postes da rodovia parecem sentinelas de castelos de terror, abrigados pela noite escondem-se furtivamente pela mata.
O ladrar dos cachorros afasta seu medo da escuridão que é habitada por personagens assombrosos que vagueiam sem rumo.
Não questiono se é verdade ou não.
Posso dizer que o farfalhar das folhas das árvores muitas vezes me intimidou.
Alcanço o último poste e meu acesso à chácara se mostra - é uma estrada de terra batida, sem iluminação.
Logo na entrada, uma construção simples de muitas portas e um pátio que serve de armazém e estacionamento. O senhor Nacib é o proprietário e xerife do condado. Nascido e criado ali, conhece tudo e a todos também. Solícito e bom comerciante mora com a mulher e dois filhos.
Deixo para trás o entreposto, diviso a igreja, a escola local, cruzo o campo de futebol e no final da ladeira a chácara.
Ela encerra uma área tombada pelo Departamento Florestal.
Os cachorros anunciam minha presença e o caseiro se apresta em me ajudar a abrir os portões - são bonitos, têm o feitio de lágrima com minhas iniciais em cada folha.
Transponho, engato a primeira marcha do carro e estaciono numa das garages.
Descarrego toda a trapizonga e como de hábito pedi ao Jonato para soltar o Sheik, pastor alemão ganho de um empregado do posto do Julio – que recepcionava seus clientes com água benta, isto é: pinga pura de alambique.
Solto e ofegante o Sheick surgiu na varanda da casa, muito alegre foi consignar sua presença fazendo xixi no pneu do carro.
Dei-lhe alguns cubos de queijo e deixei-o deitado no chão da sala, enquanto tirava minha roupa. Quando retornei, para minha surpresa o CACHORRO não mais estava.
Chamei-o exaustivamente, pois sabia das estripulias que poderiam acontecer.
Nada, o safado sumiu.
Ah! Ele vai ver com quantos paus se faz uma canoa.
Do jeito que estava, de cueca, sandália de dedo e com uma lanterna na mão saí atrás do miserável.
A FUGA do bandido deixou-me profundamente irado e à medida que caminhava pela estrada de terra, praguejava, xingava e chamava SHEICK, SHEICK!!!
Nada, em contrapartida os cachorros de meus vizinhos armavam o maior banzé pela minha passagem.
Cheguei ir até o sitio do Hidenori e desisti.
Que figura eu estava!
De cueca, sandália e lanterna numa noite escura.
Seria cômico, não fosse a minha raiva!
Na manhã seguinte, apesar das buscas e do empenho do caseiro o fugitivo continuava foragido. Em que lugar se meteu, era a pergunta recorrente à medida que o tempo passava.
Lá pelas tantas, vimos do platô de onde se situava a casa, a figura de um cachorro que caminhava com dificuldade, resvalando junto à cerca e parando vez ou outra - seguia obstinadamente seu rumo.
Não era outro senão o fugitivo do Sheick, manquitolando e cabisbaixo - retornava depois de uma tremenda briga.
Minha raiva sumiu e providenciei os curativos necessários.
Tempos depois, soubemos que o casanova rural tinha ido visitar atrevidamente uma dama que não era da sua paróquia e fora pilhado em flagrante adultério pelos seus rivais.
Moral da história, já dizia meu pai: “NÃO MEXA COM QUEM ESTÁ QUIETO”.
PAULO COSTA
MAIO/2006