Mulheres na Literatura – N°2: Virginia Woolf

O “fluxo de consciência” é uma técnica literária que busca capturar o processo de pensamento de um personagem de forma direta e espontânea, sem a filtragem da linguagem convencional ou de uma estrutura narrativa linear, permitindo ao leitor acesso direto aos pensamentos, sensações e memórias que fluem pela mente do personagem. Embora já pudéssemos ver este artifício de criação narrativa-literária nas obras dos dois maiores escritores russos do século XIX, Dostoiévski e Tosltói, porém de uma forma ainda embrionária, foi Édouard Dujardin, escritor, poeta e dramaturgo francês, pouco posterior a ambos os russos, quem aplicou essa técnica de uma maneira na qual ela fosse o elemento principal em uma obra, tendo começo por meio de um dos seus primeiros livros, “Os loureiros estão cortados”, de 1888.

Durante a primeira metade do século XX, muitos escritores e dramaturgos construíram suas obras utilizando o método do “fluxo da consciência”, entre eles estão nomes como Marcel Proust, William Faulkner e James Joyce, tendo este último escrito uma carta à Dujardin se declarando ladrão do estilo por este criado.

No Brasil, alguns de nossos maiores clássicos foram escritos por meio desse mecanismo no qual as divagações e devaneios psicológicos dos personagens veem à tona, tornando-se monólogos interiores com qualidades estéticas muito bem desenvolvidas. Temos como exemplos Graciliano Ramos, João Guimarães Rosa e Clarisse Linspector, para citarmos apenas três.

Neste texto, iremos nos debruçar com um pouco mais de profundidade na vida e obra de Virginia Woolf, escritora britânica que empregou o fluxo de consciência em uma série de obras extremamente marcantes e que são clássicos da literatura mundial, especialmente em “Mrs. Dalloway”, obra por mim lida há alguns meses.

Virgínia Woolf foi uma figura destacada do Modernismo literário do século XX, sendo uma das pioneiras de muitas tendências vanguardistas. O feminismo e a bissexualidade vistos em suas obras foi considerado, especialmente em “Mrs. Dalloway”, motivos de afronta aos costumes de uma sociedade inglesa extremamente conservadora nos costumes e que recém havia saído da "Era Vitoriana". Lembremos que foi no reinado da rainha Vitória que Oscar Wilde foi condenado a mais de dois anos de trabalhos forçados devido ao seu envolvimento homossexual com um dos filhos de um membro do parlamento inglês. Os escritos de Woolf são um rompimento a essa tradição reacionária ditada pela coroa britânica.

Em “Mrs. Dalloway”, Woolf traz outros temas muito relevantes que tinham grande destaque e discussão no período no qual se passa o enredo da obra, como o espaço entreguerras que ocasionou muitos casos não apenas de depressão, como também inúmeros abalos psiquiátricos. Para abordar esse tema das sequelas que a guerra trouxe aos combatentes, Woolf leu algumas obras de Sigmund Freud que abordam o assunto, como “Psicologia das massas e análise do eu” e “Além do princípio do prazer”.

Em “Mrs. Dalloway”, Woolf tece e liga as situações da narrativa com uma ação extraordinariamente singular (ação, em literatura, é aquilo que designa a sequência de acontecimentos ou de atos no transcurso de um conto, novela, romance, peça teatral ou poema), tendo em vista as 12 horas apenas nas quais se passam todos episódios da obra. Esta escolha de fazer um romance que se passa em um período curto do tempo real e cronológico não é aleatória, mas sim uma estratégia que enriquece a experiência do leitor, uma vez que ao focar em um período tão curto, a autora amplifica a importância de cada momento, cada pensamento e cada encontro dos personagens, explorando a subjetividade destes por meio de um mergulho em suas mentes, revelando a complexidade de seus pensamentos e sentimentos. Vale lembrar que este artifício narrativo não foi algo visto pela primeira vez em “Mrs. Dalloway’; em Ulisses, de James Joyce, a ação se passa em apenas dezoito horas do dia 16 de junho do ano de 1904, na cidade de Dublin, capital da Irlanda, cidade e país do escritor.

Virginia Woolf, com sua maestria em desvendar os labirintos da mente humana, revolucionou a narrativa moderna. Através da técnica do fluxo de consciência, a autora nos convida a uma imersão profunda nos pensamentos e emoções mais íntimos de seus personagens, desafiando as convenções narrativas e abrindo novas possibilidades para a expressão literária. Em obras como "Mrs. Dalloway", Woolf não apenas retrata a sociedade de sua época, mas também questiona os fundamentos da identidade e da experiência humana. Seu legado transcende as fronteiras do tempo e do espaço, inspirando gerações de escritores e leitores a explorar as profundezas da psique e a desvendar os mistérios da consciência.

Igor Grillo
Enviado por Igor Grillo em 21/11/2024
Reeditado em 22/11/2024
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