Você não vai me calar

Tudo começou muito singelo.

Primeiro com o olhar distante, depois o olhar pra cima, aí veio a fala.

"Nossa, como você tem história de vida, né?"

Aí eu senti e percebi.

O que até ontem era de me admirar, hoje parecia uma ameaça.

Resolvi me calar. Decidi não contar mais minha vida, minhas histórias.

"Ah, como não fiz parte dela, pra que saber, né?" Cheguei a ouvir.

E assim foi indo. Resolvi então deixar que só o outro lado contasse sua vida, suas coisas. Eu ouvia.

Uma ótima ouvinte, sempre mostrando interesse, perguntando.

E isso ampliou: para reuniões de família, roda de conversas, início de amizades, encontros, etc.

Até porque minha história atrapalha, né? "Ninguém quer ouvir sobre alguém que já viajou horrores etc. Melhor ouvir as minhas, minhas conquistas, como superei minha ex, que era melhor que você, inclusive"

Eu ouvi, e compreendi. E como compreendi.

A ponto de receber ligação pra contar todo o seu dia... No final terminava com "como é bom falar com você, Mayara".

Como aquilo me animava. Só com a terapia depois percebi que eu não falava nada. Então porque era bom falar comigo, se nem era diálogo, e sim um monólogo?

E mesmo com tudo isso, essas pessoas não ficaram. Foram embora.

Mas fui tão compreensiva, parei de contar as minhas histórias...achei que iam ficar.

(não ficam)

E então fui percebendo: parei tanto que até notei que fui esquecendo... Não lembrava com mais detalhes.

Parei a ponto de pensar "Eu tinha alguma história? Acho que não."

E hoje, ao tentar lembrar uma história, reparei:

Ter uma vida sem história, é uma vida morta.

Agora, para quem não quiser ouvir mais sobre quem sou, minha vida, alegrias e histórias.

É só se levantar. Ou eu mesma levanto, me retiro. Não precisa se preocupar.

Você não vai me calar.