Mulheres na Literatura – N°1: Madame de Stael
A crítica literária moderna, essencialmente importante no auxílio da compreensão cultural de determinada sociedade e que passou por grandes transformações ao longo de seu desenvolvimento analítico, impulsionada pelas novas perspectivas, métodos e teorias que surgiram, principalmente, durante o século XX, deve muito do seu progresso à Madame de Stael, considerada precursora dos estudos de Literatura Comparada. Seus escritos são um marco que servem como pedra fundamental para o início desta disciplina que compara e analisa obras e escritores em diferentes áreas do conhecimento, levando em consideração não apenas aspectos relacionados diretamente à literatura, mas também aspectos históricos, linguísticos, entre tantos outros fatores.
Anne-Louise Germaine de Stael-Holstein, mais conhecida como Madame de Stael, foi uma intelectual, ensaísta e romancista francesa que viveu entre 1766 e 1817. "Da literatura considerada em suas relações com as instituições sociais" (1800) e “Da Alemanha” (1810), são duas de suas obras literárias nas quais a autora desenvolve suas teses em relação ao papel da literatura na formação da identidade nacional e cultural, e como ela está interligada às instituições sociais e políticas de uma época.
Madame de Stael era uma figura central nos salões literários parisienses, verdadeiros centros de debate intelectual da época. Em seu próprio salão, reunia escritores, filósofos e artistas de renome, criando um ambiente propício para a troca de ideias e o desenvolvimento do pensamento crítico. Suas ideias liberais, que iam de encontro ao autoritarismo do regime de governo do controverso imperador Napoleão Bonaparte, tornaram-na “persona non grata” para o líder do império francês, que a perseguiu e a exilou. Este banimento, que iniciou em 1803, deu origem a um texto publicado postumamente, intitulado “Années d'exil” (Anos d'exílio), que é um testemunho histórico na qual a autora aborda temas como a liberdade, a tolerância e a importância da diversidade cultural. Foi durante este período de exílio que a autora viajou à Alemanha, tendo contato com os mais célebres pensadores germânicos e que acarretou com a escrita de sua obra sobre a cultura do país e que será aqui analisada com um pouco mais de atenção, haja vista a sua enorme importância no estudos de crítica literária.
Na obra, a escritora empreende uma profunda análise da cultura alemã, comparando-a com a francesa e traçando paralelos que revelam as peculiaridades de cada uma. Madame de Stael tece uma crítica sutil ao classicismo francês, defendendo a necessidade de uma renovação artística e intelectual, enxergando na cultura alemã um modelo a ser seguido, com sua valorização da individualidade, da emoção e da natureza. Essa valorização da subjetividade e da intuição, em detrimento da razão e da objetividade, é um dos pilares do Romantismo. É importante ressaltar que a análise de Madame de Stael sobre a cultura alemã é marcada por um certo idealismo e por uma visão romântica da realidade. A autora tende a idealizar a cultura germânica, enfatizando seus aspectos mais positivos e minimizando suas contradições.
Esta admiração de escritora pela cultura alemã e suas críticas veladas ao regime napoleônico, como já mencionado aqui, foram como uma faísca em um barril de pólvora. Napoleão, que via a cultura como uma ferramenta de propaganda e controle, não tolerava dissidências, especialmente de uma figura tão influente quanto Madame de Stael, que representava uma ameaça à sua autoridade e à legitimidade de seu regime. É bastante célebre uma frase, que agora me foge da memória seu autor, que retrata bem essa relação conflituosa entre a escritora e o imperador francês: “Há três potências na Europa que investem contra Napoleão: a Rússia, a Inglaterra e Madame de stael.”
Madame de Staël emergiu como uma figura inspiradora na história da crítica literária, não apenas por suas contribuições teóricas, mas também por sua coragem em desafiar o status quo e defender a liberdade intelectual. Sua obra, marcada por uma profunda análise comparativa e uma visão humanista da literatura, antecipou muitas das discussões que dominariam o campo nos séculos seguintes. Ao transcender as fronteiras nacionais e defender a importância da diversidade cultural, Madame de Stael se posicionou como uma verdadeira pioneira, inspirando gerações de críticos e escritores a questionarem os dogmas e a buscarem novas formas de compreender a complexidade da experiência humana através da literatura, sendo uma das muitas mulheres que impactaram o cenário da literatura mundial, deixando-nos uma obra fascinante que, infelizmente, ainda não alcançou sua devida importância no cânone literário atual, muito por conta do poder patriarcal que sempre se impõe em todas esferas da sociedade.