A perdida inocência
Eu nunca gostei muito do humor dos Trapalhões, que sempre achei meio grosso, mas assisti muito no século passado. Dava para rir de muita coisa.
Um episódio que nunca esqueci e que ainda me faz rir. Claro, esqueci os detalhes em volta mas ficou a piada.
O Mussum dissera alguma coisa que, parece, os outros não estavam acreditando. Então ele se saiu com essa:
"Quero morrer preto se estiver mentindo!"
A gente riu mesmo, era uma piada de redundância: estivesse mentindo ou falando a verdade ele morreria preto, pois era preto. Ele deve ter empregado aquele cacoete habitual de colocar um "s" inexistente no fim da palavra, deve ter dito "prets".
De qualquer forma, se fosse hoje os patrulheiros de pensamento iriam acusar a piada de não ser "politicamente correta". Isso se ele não fosse processado criminalmente por prática de racismo contra ele próprio.
O mundo atual é insuportável, e o humor está severamente atingido pelo crescimento da intolerância e do radicalismo. Fazer anedotas de português, nordestino, judeu, sogra, dentista, loura, mineiro, gay, secretária, índio, parece que quase qualquer coisa pode ofender, a sociedade tornou-se melindrosa em extremo.
E no entanto o humorismo sempre foi irreverente e isso há séculos. Dizem mesmo que os antigos bufões medievais tinham liberdade para fazer brincadeiras até com os reis.
Eu entendo que uma piada pode às vezes ser de mau gosto, como costumam ser as de "loura burra", mas ver simples piadas como crimes é exagero, principalmente numa sociedade em que até assassinos ficam à solta.
E talvez seja por isso, ao menos em parte, que o humor televisivo virou esse lixo, que praticamente se limita a piadinhas sujas de sexo e transmitidas com espalhafato. E que em geral não possuem a mínima graça.