Breve relato de uma exposição.
Estou numa exposição fotográfica sobre a ditadura (no instituto Moreira Sales, em São Paulo). É uma exposição de fotos de Evandro Teixeira, um fotojornalista que fez gerações e gerações de novos profissionais . Percorrendo a exposição, não há como não ver jovens estudantes sendo presos e conduzidos ao Estádio Nacional do Chile, em 1973. Não há como negar, ali atrocidades foram cometidas, ali, mortes foram produzidas.
A aliança que dá origem a operação Condor, mais que ignorar fronteiras e espaços públicos, significou uma aliança que culminava na morte de opositores às ditaduras.
Evandro Teixeira, de cuja exposição realçam os rostos de jovens estudantes, também, denota a capacidade que os Estados têm em cometer seus crimes.
Estranho, sinto uma sensação de conhecer cada rosto nas fotos, cada pessoa nos fragmentos do filme documentário exibido em projeção permanente. Maria Auxiliadora Lara Barcelos e tantas outras Marias, me despertam para uma nova consciência que ja imaginava adormecida. Por suas lutas e garras, eu, que há época era apenas uma criança, hoje, já próximo aos 60, lembro de trechos do que ouço nos relatos.
Vejo Frei Tito e lembro do seu martírio. Lembro do noticiário a respeito do seu suicídio. Criança, porém, sentia algo de que aquelas pessoas difamadas pelo regime, eram pessoas que eu, não sei explicar, me eram companheiras.
" Saibam que, antes do que se pensa de novo se abrirão as grandes alamedas por onde passará o homem livre para construir uma sociedade melhor" Últimas palavras de Salvador Allende, antes do bombardeio e posterior suicídio no Palácio de Lá Moneda.
Percorro a sala com fotos do corpo, velório e sepultamento do poeta maior, do Chile. Um estranho sentimento me invade. Há poucos dias sonhei com Ricardo Eliécer Neftalí Reyes Basoalto, nome de batismo de Pablo Neruda. Não pude deixar de pensar o quanto os poetas são perigosos para as ditaduras. São eles, e também os músicos e atores, os primeiros alvos dos regimes autoritários. E Pablo, o porta voz dos chilenos e da América Latina, com a publicação de Canto Geral, se tornou o alvo principal do regime.
Em silêncio, porque nessas horas, o silêncio grita e se faz ouvido, mais que tiro de canhão. Impressionou ver como pessoas de gerações tão diversas foram capazes de se irmanarem num mesmo silêncio de respeito. Não pude conter: fios de lágrimas anunciaram presença.
Fim da jornada. Antes de findar a visita, uma parada na "vitrine museu" de Evandro Teixeira. Algumas máquinas de fotografia e, a mim, a sensação de que Evandro escreveu com luz o que, talvez, palavras não conseguiriam dizer.