Emfim, Cuba. (VII)

continuação...

GASTRONOMIA:

Já confessei em outro livro: tenho orgasmo à mesa. Com uma vantagem: gosto de tudo. Turismo para mim é sinônimo de gastronomia. Por isso adoro São Paulo, o melhor lugar para se comer no Brasil, talvez no mundo.

A comida crioula foi uma decepção. Não tem gosto de nada.

Ainda no avião conhecemos o Jânio. Comerciante de antigüidades, que, pelo menos uma vez por semana, voa para Cuba, onde adquire objetos para vender no Brasil. Perguntei a ele sobre a comida.

Ele foi taxativo: - não sabem fazer.

Retruquei: - Mas nem lagostas e camarões?

- Eles estragam tudo!

Não acreditei. Difícil estragar lagostas e camarões. Infelizmente Jânio tinha razão.

O cubano não gosta de peixes e crustáceos. Carne, apenas a de porco e a de frango. A de vaca somente para servir aos doentes hospitalizados. Arroz branco ou congri com feijões negros constituem o alimento básico. As frutas e verduras (que decepção!) estão muito aquém das desenvolvidas no Brasil. Banana verde, picada em rodelas que são fritas como batatinhas, fazem o complemento. Repito: tudo sem gosto. A gente come para não sentir fome. Não chega a ser ruim. Simplesmente come-se sem qualquer prazer.

Num dos restaurantes do hotel cinco estrelas em que estávamos hospedados, pedimos lagosta. O garçom ofereceu, por conta da casa, vinho cubano. Não quis arriscar. Fiquei apenas com água mineral. Foi um erro. No avião, na volta, experimentei e achei razoável. Mas a lagosta, como tudo o mais, sem qualquer sabor.

Falei para a Sandra: - amanhã a gente almoça num Paladar. Vamos conhecer a comida dos restaurantes populares.

Paladares são restaurantes familiares, que têm a autorização do Estado para exercer o comércio, cobrando em dólares. Em Havana, Emiliana, uma cubana que ficou nossa amiga, nos levou em um, fora do roteiro turístico. Limpo e arrumado o lugar. Apenas cinco mesas. Pedimos salada e lagosta novamente. Como em todos os lugares de Cuba, o atendimento foi demorado. Ficamos tomando cerveja. Veio a vontade de aliviar. Indaguei sobre o banheiro. Indicaram-me os fundos. Atravessei a casa cubana e cheguei no lugar. Surpresa! No lugar de papel higiênico, jornais recortados. Ainda bem que minha necessidade consistia em apenas aliviar a cerveja. Coitadas das minhas hemorróidas se a necessidade fosse outra.

O sabor idêntico aos outros, ou seja, nenhum.

Repetimos o pedido no restaurante do Capitólio. Lagosta para a Sandra e camarões para mim. Estragaram mais ainda os pratos. Não havia diferença entre eles no modo de preparo. Ambos cobertos com massa de tomate e nem esta tinha qualquer gosto.

Assim, a solução era se empanturrar de ovos no café da manhã.

Mas nem tudo estava perdido. Revelou-se como bom prato o frango. O jogo de coxa e sobrecoxa assado, frito ou marinado. Fica entre o nosso frango de granja e o caipira. Acredito que Cuba ainda não desenvolveu uma ração capitalista como a nossa. Foi o que de melhor comi na Ilha.

Mas a comida típica crioula posso afirmar, sem qualquer dúvida, é a pizza. Esta é encontrada em todos os lugares. A cubanada aprecia demais. Talvez seja o preço: uma brotinho, honesta, pode ser encontrada por vinte e cinco centavos de dólar. Há filas enormes para comprar. Em todos os hotéis há pizzarias. É claro que não podem competir com as cantinas do Bixiga, mas dá para o gasto.

Nas tiendas, o balcão de frios é decepcionante. Interessante que a mortadela é mais cara do que o presunto. Experimentamos ambos e ambos tão saborosos como gelatina sem sabor.

Em resumo, gastronomia não é o forte de Cuba.

***

CAYO LARGO:

Trinta e cinco minutos de vôo e estamos na ilhota de Cayo Largo. Pode ser uma contradição, mas o silêncio é ensurdecedor. O hotel, desta vez, não é tão bom quanto os outros. Apenas razoável. A diária é completa, ou melhor: completíssima. Pode-se também beber o dia todo sem qualquer gasto a mais. Tudo está incluso no preço. Apenas um casal de cubanos hospedado. Todos os outros apartamentos ocupados por estrangeiros. E, se tudo é de graça, o melhor lugar para ficar é o bar.

- Pergunto para o barman se há pinga?

Ele ri, de forma escandalosa.

Fico surpreso. Repito a pergunta.

- Pinga, em Cuba, é o pinto! Continua a rir e segura o membro viril, num gesto obsceno.

Lembrei-me de uma crônica escrita pela atriz Lucélia Santos em uma revista de grande circulação, fazendo humor, onde ela diz ter pedido “pinga” em Cuba. A estas alturas já estávamos rodeados de empregadas do hotel. Contei a crônica para eles. Todos caem em gargalhadas. O barman diz: - devem ter dado muita “pinga” para ela aqui. Nós cubamos adoramos a Lucélia Santos.

Notei um rapazinho loiro, de uns vinte anos de idade, sorrir de forma tímida, tentando entrar na conversa, mas sem conseguir. Sandra, que acabara de chegar, também notou a timidez do moço. Ele se aproximava da gente, dava um risinho sem graça, e se afastava.

Uma observação: a jornada de trabalho na ilhota é de doze horas diárias, sendo que os empregados laboram vinte dias por mês e descansam dez. A maioria reside em Havana. Todos ficam alojados no próprio hotel.

No aperitivo da tarde, enquanto Sandra se arrumava, forcei conversa com o rapazola. Aos poucos ele venceu a timidez e perguntou:

- No Brasil corre dinheiro?

- É diferente. Há dinheiro correndo, muita gente rica, mas também tem muita pobreza.

- Eu vou fugir daqui!

- Para Miami?

- Para qualquer lugar. Meus pais já fugiram. Eles estão trabalhando nas ilhas Cayman.

- Mas você não está bem aqui?

- Veja a minha roupa! Está cheia de furos. A gente não consegue nada. Eu não tenho nada! Nem esperança. Não quero passar a vida inteira servindo turistas. Quero ganhar dinheiro. Eu vou fugir, nem que seja a nado.

A estas alturas outros turistas estavam chegando e ele encerrou a conversa.

Amanhece com céu de brigadeiro. Após o café da manhã, alugamos um jipe e fomos conhecer a ilhota. De um lado apenas um vilarejo, na estrada vários hotéis, muitos em construção. Pegamos uma trilha e partimos para conhecer a praia virgem e, de repente, lá estávamos nós. Apenas Sandra, eu e aquele mar imenso, verde esmeralda, que banha a areia tão fina e macia, que a gente se afunda ao andar. Silêncio total. O sonho Hollywoodiano de morar em uma ilha deserta é apenas sonho. O silêncio e a solidão assustam. Preferível viver no meio da multidão, o medo da violência é menor. Resolvemos voltar. Após nos perdermos nas trilhas, chegamos ao hotel, devolvemos o jipe e fomos para a praia em frente, onde havia gente. No percurso passamos pelo bar. O rapazola não estava.

Ao longe o mar é azul escuro. Depois vai esverdeando. O verde vai clareando e quebra transparente na areia branca. Peixes circulam em volta dos banhistas em cardumes. Também são transparentes, quase invisíveis. É o paraíso na terra.

A gente, de papo para o ar, se refrescando com mojitos, daiquiris e cuba-libres. Às vezes uma cervejinha. Não quero outra vida. E ali ficamos o tempo todo, até quase anoitecer.

Na volta para o hotel, Sandra foi na frente. Fiquei no bar. Perguntei sobre o rapazola. Ninguém respondeu.

Jantamos, fomos para a área de lazer e não vi o moço.

Dia seguinte partimos para Havana. Antes de sair do hotel, após o almoço, passei no bar para gratificar o pessoal, o rapazola não estava. Fica a indagação: será que se mandou?

continua...