Enfim, Cuba (II_
continuação (II)
Dezembro/1981: Estava na moda viajar para Cuba. Os alunos formandos do Colégio Pio XII convidam para paraninfo o deputado direitista Sebastião Navarro Vieira Filho. Aliás, todos os anos ele era convidado para essa função. Não tinha concorrentes. O motivo é que ele oferecia churrasco e chope para a meninada em uma chácara nos arredores da cidade.
Conheço o deputado há bastante tempo. Apesar de nossas diferenças ideológicas, sempre o respeitei por seu trabalho e sua lealdade. Seu pai, que era integralista declarado, foi o único político de nossa terra que visitou os conterrâneos que estavam presos pela ditadura e que os auxiliou nesse período difícil. Os deputados esquerdistas que conhecíamos não deram a mínima para os prisioneiros.
Eu era professor, lecionava direito usual e legislação aplicada e, por isso, também fui convidado pelo Navarro Filho para participar do churrasco.
Aceitei o convite apenas porque sabia que ele tinha viajado recentemente para Cuba.
Na festa animada, forcei a aproximação.
Conversa vai, conversa vem, perguntei?
- O que achou de Cuba?
- Muito pior do que eu pensava! Uma pobreza absoluta! Nunca estive em
lugar pior.
Fiquei puto com a resposta. Conversa de gente ligada à ditadura. Anticomunista declarado.
Tentei forçar mais. Citei o livro do Fernando Morais. Ele apenas comentou que poderíamos aprender poucas coisas com os cubanos, como, por exemplo, a questão da saúde e da educação, mas que o resto, realmente, era muito ruim.
Não me convenceu. Eu tinha que ir para Cuba de qualquer maneira. Tinha que conhecer aquela nova realidade, construída pelos idealistas barbudos e pelo povo. “Che”, Fidel, Cienfuegos ainda eram os mesmos ídolos que nortearam o romantismo de minha juventude.
1986: Muita gente já havia visitado a ilha. Quem havia voltado recentemente foi o advogado José Carlos de Paiva Cardillo. Este eu conheço a bastante tempo. Foi meu professor de latim no ginásio. É um sujeito boa pinta. Parece artista de cinema. Politicamente nunca se filiou a qualquer partido. Poderia ser tucano, pois está sempre em cima do muro. Educado, não tem palavra ofensiva para ninguém. Sempre é agradável. Esta é a sua grande característica. Adora viajar. Pode ser que não conheça o mundo todo, mas falta pouco. Marquei um encontro com ele num restaurante conhecido. Queria que me contasse sobre a Cuba que conheceu.
Neste ponto deve ser dito: o Cardillo era, e ainda é, advogado de grandes empresas, de multinacionais. Por isso fui com um pé atrás. Afinal, pouco tempo antes o Brasil estava dividido entre mocinhos e bandidos, assim como na pré adolescência o mundo era dividido entre os bons e os maus. Os mocinhos éramos nós, que queríamos derrubar a ditadura por qualquer meio. Quem estava do outro lado era bandido – todos. Também eram bandidos os americanófilos que trabalhavam para as multinacionais. O Cardillo estava enquadrado nesta última classificação.
Quando cheguei o meu ex professor já estava lá, saboreando um scotch com gelo.
- Oi professor! Ainda sabe latim?
- Esqueci tudo.
Pedi um nacionalizado. O scotch era muito caro para mim e a gente tinha o hábito de dividir as despesas.
- Conta prá mim. Como é Cuba?
- Igualzinho à Bahia. Quando desci, pensei que estava em Salvador.
Salvador eu conhecia. Tinha viajado para lá recentemente. Adorei. Talvez tenha sido influência do Jorge Amado. Havia lido toda a sua obra.
- Mas e o socialismo. Conta! Há tudo para todos.
- Bem, no dia em que cheguei, comecei a fazer muitas perguntas ao garçom que atendia no bar. Ele não respondeu quase nada. Mas, no dia seguinte, havia outro garçom. Desconfio que foi para lá só para responder às minhas indagações. Este tinha curso universitário, falava inglês e respondeu todas as minhas perguntas. Tudo com elogios à revolução. Fiquei desconfiado. Será que ele não foi ali só para isso? Para fazer propaganda?
- E prostituição tem?
- No hotel em que estávamos hospedados havia muitas mocinhas cubanas.
Não tenho muitas dúvidas. Eram profissionais do sexo. A aparência é igual em qualquer parte do mundo.
Não acreditei muito. Possivelmente o advogado estava enganado. Talvez fossem apenas cubanas querendo se divertir.
- E a saúde? Como é?
- Os cubanos são muito saudáveis. Todos fortes. Atléticos.
- E têm de tudo?
- Bem, eles não tem acesso ao dólar. Abordam a gente querendo trocar os seus pesos. É claro que eu não aceito. Em terra estranha boi é vaca. Imagina se eu ficar preso em Cuba? Mas eles insistem para a gente comprar gêneros para eles nas tiendas. Nas tiendas são vendidos produtos internacionais, em dólar. Só que o cubano não tem acesso a elas. Aliás, eles não podem ter dólares. É proibido.
- Gorjeta? Você deu?
- Claro.
- Mas eles aceitam?
- Como em qualquer parte do mundo.
As respostas não batiam com minhas informações. Seria mentiroso o Zé Carlos ou a Cuba que ele conheceu não era mais a Cuba que o Fernando Morais contou? Ou será que o jornalista foi conduzido para relatar o que Cuba queria? Eu precisava ir a Cuba. Tinha que ver para saber.
Falei para ele: - eu vou para Cuba.
Como um mestre ele respondeu: - Conheça outros lugares primeiro. Há muita coisa que você precisa conhecer.
Realmente, não era – e ainda não sou – muito viajado. Mas outras viagens vieram. Cuba sempre postergada.
***
Interessante que, até hoje, muitas pessoas têm receio de viajar para a ilha de Fidel, principalmente empresários, talvez por temerem represálias dos Estados Unidos.
Fiquei sabendo que dois altos industriais da cidade viajaram para lá. Foi o filho de um deles quem me disse. Eles mantiveram segredo sobre o passeio ou viagem de negócios. Disseram apenas que estiveram no Caribe. Nenhuma palavra sobre Cuba.
Na agência de viagens fomos informados da necessidade de obter visto de entrada, mas que poderíamos ficar tranqüilos, pois os nossos passaportes não seriam carimbados. O visto é dado em uma tarjeta. Indaguei o por que. A resposta foi a óbvia: - para que os senhores não tenham problemas quando viajarem para os Estados Unidos.
Não é só o bloqueio que perdura. É, ainda, um verdadeiro terrorismo imperialista.
***