Enfim, /cuba
Meu livreto sobre minha viagem a Cuba, onde passei 15 dias, no ano de 2.000. Publicarei em capítulos. Espero que agrade.
Enfim, Cuba.
27 de novembro de 2000. Meio-dia. Estou desembarcando no aeroporto internacional José Martí, em Havana. Mas a viagem começou antes, muito antes...
1961: a gente estava entrando na adolescência. Alunos dos maristas, americanófilos, admiradores do John Kennedy e da linda Jacqueline. Fãs do Elvis Presley, formação meio fascista (o titular da terceira série ginasial era o Irmão Porquinho, um velhinho simpático, espanhol, que adorava o Franco, tinha nojo de judeus e também de mulheres). Para nós o mundo se dividia entre os bons e os maus. Os bons tinham o dever de matar os maus e os maus eram os feios.
Apareceu no colégio um rapazinho, alguns anos mais velho do que a gente, conhecido por ser metido a intelectual e poeta, o José Asdrúbal Amaral, convidado por um religioso meio maluco, o Irmão Zé Topeque, para proferir uma palestra.
O coitado foi vaiado o tempo todo. Também pudera, não podia dar outra. Falou bem do triunfo da revolução cubana e dos guerrilheiros comandados por Fidel Castro. Desceu a lenha nos americanos, principalmente no Kennedy, que havia determinado o bloqueio à ilha.
Foi preciso a interferência do Zé Topeque, que, para apaziguar os ânimos da meninada, explicou que a intenção do conferencista era apenas de provocar polêmica, pois o Asdrúbal era católico praticante, de boa formação moral e anticomunista. Se não fosse isso, provavelmente haveria um linchamento.
1967 – auditório da PUC/CAMPINAS:
Nesse tempo, quando saíamos da adolescência, éramos todos de esquerda. “Che” era o nosso ídolo. Quantos tombaram? Quantos foram presos? Quantos tiveram de viver na clandestinidade? Quantos se exilaram?
Aparece na PUC, para fazer uma palestre, o escritor Carlos Heitor Cony. O tema foi a ilha de Fidel, com suas dificuldades, que ele havia visitado. Lembro-me bem de suas palavras. Cuba não tinha nada, além do ideal. Contou que teve uma dor de cabeça e não conseguiu uma aspirina na ilha. Tudo faltava. Sentimos ódio dos americanos.
Foi ovacionado pela platéia de pé. Preferíamos lutar, como os cubanos, contra a ditadura militar, mesmo enfrentando as dificuldades da falta de tudo, mas de cabeça erguida. Como éramos idealistas!
Um ano depois a ditadura nativa endureceu. Veio o famigerado Ato Institucional número cinco. Quanto sofrimento romântico!
1976: O jornalista Fernando Morais lança o seu livro A ILHA (um repórter brasileiro no país de Fidel Castro). O escritor ainda não tinha completado os trinta anos de idade e se meteu numa aventura fascinante, indo a Cuba, via Espanha, à bordo de um quadrirreator soviético. A obra fez sucesso imediato. Basta dizer que sete edições, entre agosto de 1976 a fevereiro de 1977 foram esgotadas, ou seja foram vendidos vinte e três mil livros em apenas seis meses – um fenômeno no Brasil.
O livro me deixou fascinado. Logo no primeiro capítulo leio: “ O carregador do Nacional leva as malas ao confortável apartamento e fica me olhando sorridente. Tiro do bolso moedas recebidas na troca de dinheiro e lhe ofereço. Sempre sorrindo, o homem diz apenas que “não”. Devo estar oferecendo pouco, imagino. Tiro uma nota de um peso cubano – nove cruzeiros ao câmbio da época – e entrego a ele. O carregador é obrigado a ser claro comigo: “Compañero, aqui não existe mais isso. Estou esperando, mas é para o senhor dizer se está satisfeito com o apartamento”.
Que maravilha! Acabou a mentalidade da gorjeta. Acabou a submissão. Todos tem o suficiente para viver com dignidade.
Curioso, o repórter/escritor quis saber se havia prostitutas na ilha. Foi direto ao assunto com o motorista do táxi. Este lhe respondeu claramente: “ – Não compañero. Aqui não temos mais essas coisas”. Fez a tentativa com outros motoristas, sempre recebendo respostas idênticas. Um porteiro de hotel, ironicamente, lhe informou: “ – Mas não se aborreça se não temos putas aqui, você é jovem, estrangeiro, certamente encontrará uma cubana que vá com sua cara. De graça, claro”.
No antigo bordel dos americanos não havia mais putas? Teria sido extinta a profissão mais antiga do mundo? Como foi o milagre? Outras leituras sobre a ilha, que abundaram posteriormente, informavam que, quando o exército rebelde dos guerrilheiros avançava, obtendo vitórias, atrás dos soldados vinham os professores com a finalidade de ensinar aos marginalizados, principalmente a putada, sobre a dignidade humana. Eram aulas de idealismo sobretudo.
Quis ir imediatamente para Cuba. Ajudar a cortar cana. Trabalhar para ajudar a concretizar o sonho.
Dezembro/1981: Estava na moda viajar para Cuba. Os alunos formandos do Colégio Pio XII convidam para paraninfo o deputado direitista Sebastião Navarro Vieira Filho. Aliás, todos os anos ele era convidado para essa função. Não tinha concorrentes. O motivo é que ele oferecia churrasco e chope para a meninada em uma chácara nos arredores da cidade.
Conheço o deputado há bastante tempo. Apesar de nossas diferenças ideológicas, sempre o respeitei por seu trabalho e sua lealdade. Seu pai, que era integralista declarado, foi o único político de nossa terra que visitou os conterrâneos que estavam presos pela ditadura e que os auxiliou nesse período difícil. Os deputados esquerdistas que conhecíamos não deram a mínima para os prisioneiros.
Eu era professor, lecionava direito usual e legislação aplicada e, por isso, também fui convidado pelo Navarro Filho para participar do churrasco.
Aceitei o convite apenas porque sabia que ele tinha viajado recentemente para Cuba.
Na festa animada, forcei a aproximação.
Conversa vai, conversa vem, perguntei?
- O que achou de Cuba?
- Muito pior do que eu pensava! Uma pobreza absoluta! Nunca estive em
lugar pior.
Fiquei puto com a resposta. Conversa de gente ligada à ditadura. Anticomunista declarado.
Tentei forçar mais. Citei o livro do Fernando Morais. Ele apenas comentou que poderíamos aprender poucas coisas com os cubanos, como, por exemplo, a questão da saúde e da educação, mas que o resto, realmente, era muito ruim.
Não me convenceu. Eu tinha que ir para Cuba de qualquer maneira. Tinha que conhecer aquela nova realidade, construída pelos idealistas barbudos e pelo povo. “Che”, Fidel, Cienfuegos ainda eram os mesmos ídolos que nortearam o romantismo de minha juventude.
(continua)