Confesso sem ressentimento: era um velório bonito
Permaneci no ato fúnebre por umas três horas. Vi gente que a tempos não via. Alguns até nem imaginava que ainda estivessem entre nós.
Nos grupos de homens as conversas variavam conforme a paixão. Política, plantação, dólar, futebol... As mulheres sobre filhos, formatura, noras, genros, netos, afazeres... Percebia-se que todos primavam pelo vestuário. Afinal, era um velório.
Presentes também políticos de toda a região. Educados, atenciosos e sem esconder a marca registada: o sorriso, aperto de mão, o tapinha nas costas. Estranhei a ausência de crianças. E ninguém chorando.
Quando percebi que era dada a palavra a um político de renome, me retirei. Não completamente. Fiquei a uns 50 metros, espaço garantido para que meus ouvidos nada captassem. Discursos de políticos em velório? Ninguém merece! Não sei o que falou, mas deu para imaginar pelos aplausos. Esses audíveis.
Quando o caixão rumou para a última morada, me retirei de vez. Minha obrigação estava feita. Provavelmente deixei de ver aquelas lágrimas que faltaram no velório. E mais algumas palavras tristes e/ou consoladoras.
Já em casa procurei rever a cena. Que velório com gente bacana! Um detalhe me apertou o coração. Coração não! A consciência. Não sei de quem era o velório. E se alguém chegando de surpresa no local me fizesse essa pergunta? Que feio!
Porém, convenhamos: - velório de gente rica tem pessoas bonitas, perfumadas, bem vestidas, simpáticas e sabem se comportar com finesa. Até o sorriso nesse momento é diferente sem deixar de ser lindo. E servem café, chá, água mineral... É outro nível. Aliás, velório.
Vou estudar a possiblidade de me fazer presente com mais frequência em velórios. De ricos.