Por que as mais antigas civilizações começaram em determinadas regiões?

Ainda se discute acaloradamente para saber qual das grandes civilizações da antiguidade foi a primeira. A maioria das opiniões parece favorável à egípcia, não obstante um número respeitável de autoridades advogar os direitos do vale do Tigre e do Eufrates.

Outros especialistas preferem o Elam, região situada a leste do vale do Tigre-Eufrates e margeando o Golfo Pérsico. Embora não se deva descurar a opinião de nenhum cientista competente, há mais fortes razões para acreditar que os vales do Nilo e do Tigre-Eufrates foram os berços das mais antigas culturas históricas. Essas duas áreas eram, geograficamente, as mais favorecidas da região chamada Crescente Fértil ( O crescente Fértil é a vasta faixa de terra produtiva que se estende para o noroeste do golfo pérsico, daí descendo pela costa do Mediterraneo até quase o Egito. Forma um semicírculo a contornar a parte norte do deserto da Arábia.

Aí foi encontrado maior número de artefatos de antiguidade incontestável do que em qualquer outra parte do Oriente Próximo. Além disso, o progresso nas artes e nas ciências tinha atingido um nível sem par em ambas essas áreas já pelas alturas do ano 3000 a.C, quando quase todo o resto do mundo ainda estava mergulhado na ignorância. Se os alicerces desse progresso foram de fato assentados em outros lugares, parece estranho que tenham desaparecido, embora ninguém possa parecer, naturalmente, o que o alívio dos arqueólogos virá a descobrir no futuro.

Das diversas causas que determinaram o aparecimento remoto de civilizações nos vales do Nilo e do Tigre-Eufrates, parece ter sido o fator geográfico o mais importante. Ambas as regiões apresentavam a vantagem de possuir uma área limitada de solo extremamente fertil. Ainda que se prolongue por uma extensão de 1.150 quilômetros, o vale do Nilo não mede mais de 16 km de largura em alguns lugares, sendo a sua amplitude máxima de 50 km.

A área total é de menos de 26.000 quilômetros quadrados, ou seja uma superfície um pouco inferior à dos Estado de Alagoas-Brasil. Através de séculos incontáveis o rio tinha cavado um vasto canhão ou desfiladeiro, limitado de cada lado por penhascos cuja altura vai de 50 a 300 metros. O leito do canhão era coberto por um rico depósito aluvial que, em alguns lugares, alcançava uma profundidade de 10 metros. O solo era de uma uberdade tão espantosa que nada menos de três colheitas anuais se podiam obter da mesma terra.

Esse largo e extenso canhão constituía a área cultivável do antigo Egito. Muitos milhões de habitantes estavam ali concentrados. No tempo da dominação romana a população do vale era de cerca de sete milhões, e não seria, provavelmente, muito menor na época dos faraós.

Para além dos rochedos nada havia, a não ser o deserto; deserto da Líbia a oeste e deserto da Arábia ao nascente. Na língua do antigo Egito, ( montanhés) era sinonimo de estrangeiro; ( subir) equivalia a viajar para o exterior e ( descer) era a expressão popular correspondente a voltar para a pátria vindo do estrangeiro. ( J.H. Breasted, History of Egypt. P.11).

No vale do Tigre-Eufrates predominavam condições semelhantes. Como no Egito, os dois rios ofereciam excelentes facilidades para o transporte interior e neles enxameavam os peixes e as aves ribeirinhas, fonte abundante de alimentação proteica.

A distância entre o Tigre e o Eufrates era, em dado ponto, aproximadamente trinta quilômetros, sendo que em nenhuma parte do vale inferior excedia oitenta quilômetros. O fato de ser deserta a terra circundante impedia o povo de se dispersar numa extensão muito grande do território.

O resultado, como no Egito, foi a fusão dos habitantes numa sociedade compacta, sob condições que facilitaram um rápido intercâmbio de ideias e de descobertas. Com o crescimento da população tornou-se cada vez mais urgente a necessidade de órgãos de controle social. Incluídos entre esses órgãos estavam o governo, as escolas, os códigos morais e sociais e as instituições de produção e distribuição de riqueza. Ao mesmo tempo as condições da vida tornavam-se mais complexas e artificiais, exigindo o registro das coisas realizadas e a perfeição de técnicas novas.

Entre as consequências disso estão a invenção da escrita, a prática de fundir os metais, as operações matemáticas, o desenvolvimento da astronomia e os primeiros rudimentos de física. Com essas conquistas a civilização venceu a primeira grande prova a que foi submetida.

As influências climáticas também desempenharam seu papel em ambas as regiões. A atmosfera do Egito é seca e revigorante. Mesmo os dias mais quentes não causam nada do desconforto opressivo que frequentemente é sentido em regiões mais para o norte, durante a estação. A temperatura média do verão é de 28 graus e ocasionalmente é alcançada uma máxima de 50 graus, mas as noites são sempre frescas e a umidade é extremamente baixa.

Exceto no Delta, a precipitação de chuvas ocorre em quantidades insignificantes, mas a deficiência de umidade atmosférica é contrabalançada pelas inundações anuais do Nilo, que se dão de julho a outubro. Também muito importante do ponto de vista histórico é a ausência total de malária no Alto Egito, ao mesmo tempo que, na região costeira, essa doença é praticamente desconhecida. A direção dos ventos dominantes é, do mesmo modo, um fator favorável de não pequena importância. Durante mais de nove meses o vento procede do norte, soprando em direção contrária à corrente do Nilo.

O efeito é simplificar imensamente o problema do transporte. O tráfego rio acima, com a população do vento a compensar a força do rio, não apresenta maior dificuldade do que o tráfego rio abaixo. Este fator deve ser oferecido, nos tempos antigos, enorme vantagem por promover a facilidade de comunicação entre populações numerosas, algumas das quais estavam separadas por centenas de quilômetros.

As condições climáticas, na Mesopotâmia, não parecem ter sido tão favoráveis quanto no Egito. O calor do verão é mais implacável, a umidade um pouco mais alta e as doenças tropicais fazem sentir a sua presença. Por outro lado, a queda da chuva é mais abundante, alcançando uma média de 7,5 cm por ano, isto é, o triplo da quantidade de precipitação pluvial no delta do Nilo.

Acresce que os ventos abrasadores do Oceano Índico, embora enervantes para os seres humanos, sopram sobre o vale justamente na estação em que são necessários ao perfeito sazonar dos frutos da tamareira. Mais do que qualquer outra coisa, foi o ótimo rendimento da tamara, o artigo principal de alimentação no Oriente, que incitou populações numerosas e estabelecerem-se no vale dos dois rios.

Por fim, a fusão da neve das montanhas do norte produzia, na planície babilônica, uma inundação anual semelhante à do Egito. Isso tinha como efeito prover o solo de umidade e recobri-lo com uma camada de lama de incomparável fertilidade.

A mais importante de todas as influências geográficas foi, todavia, o fato de não ser abundante a queda de chuvas em ambas as regiões, o que constituía um incitamento à iniciativa e à capacidade inventiva. A despeito das inundações anuais dos rios, era insuficiente a umidade deixada no solo para que se produzissem colheitas abundantes. Poucas semanas depois de terem as águas retrocedido, a terra ressequida-se e ficava dura como pedra. Era, consequentemente, necessária a irrigação a fim de tirar inteiro proveito da riqueza do solo.

Em resultado disso, complicados sistemas de represas e canais de irrigação foram construídos há nada menos de 5000 anos atrás, tanto no Egito como na Mesopotâmia. A habilidade matemática, a perícia dos engenheiros e a cooperação social necessária à execução desses projetos foram de vital importância para o pleno desenvolvimento da civilização.

Permanece sem resposta satisfatória à pergunta: qual das duas civilizações, a egípcia ou a mesopotâmia, foi a mais antiga?

Há vários fatos que parecem sugerir a prioridade do Egito. Acima de tudo, os habitantes do vale do Nilo gozavam de vantagens geográficas que eram segadas aos navios da Mesopotâmia: uma atmosfera menos enervante, um clima dos mais salubres e a disponibilidade de metais e boa pedra de construção. Além disso, o Egito estava bem protegido contra a invasão e contra a mistura de povos mais atrasados.

A leste e a oeste estendia-se o deserto impervido; ao norte, uma costa sem portos; e, ao sul, as barreiras rochosas de uma série de cataratas obsta às incursões dos selvagens africanos.

Somente pelos dois ângulos setentrionais podia o território ser penetrado com facilidade. Contrastando com isso, a Mesopotâmia era relativamente desprotegida. Nenhuma das suas fronteiras oferecia um grau apreciável de segurança.

Apresentava-se como uma tentação constante às hordas famintas de nômades das montanhas e desertos circundantes.

Em consequência disso, o progresso da evolução cultural estava sujeito a frequentes interrupções provocadas pela invasão de tribos salteadoras.

Até há poucos anos atrás a maioria dos historiadores parecia ter como assente que a civilização egípcia era a mais antiga das duas. Sua convicção se baseia nas conclusões de dois egiptólogos que se contam entre os mais famosos do Mundo, James H.Breasted e Alexandre Moret.

Entre as duas guerras mundiais do século XX, porém, vieram à luz certos fatos que pareciam prover uma considerável influência da Mesopotâmia no vale do Nilo, em data tão recuada como a de 3500 a.C.

Essa influência era exemplificada pelo uso de sinetes cilíndricas, métodos de construção arquitetônica, motivos artísticos e elementos de um sistema de escrita indubitavelmente originado na Mesopotâmia.

O fato de esses progressos terem ocorrido no vale do Tigre-Eufrates em época tão remota parecia indicar a imensa antiguidade da civilização mesopotâmica. Não provava, entretanto, que ela fosse mais antiga do que a egípcia, pois as inovações que mencionamos não foram simplesmente copiadas nem assimiladas com espírito servil. Pelo contrário, os egípcios modificaram-nas radicalmente para adaptá-las ao seu complexo cultural.

Em face disso, parece-nos que a única conclusão legítima é a de que ambas as civilizações eram muito antigas e, de um modo geral, se desenvolveram paralelamente.

Lahcen EL MOUTAQI

Pesquisador universitario- Marrocos

ELMOUTAQI
Enviado por ELMOUTAQI em 10/05/2022
Código do texto: T7513101
Classificação de conteúdo: seguro