SOMOS ESPAÇOS DE PASSAGEM
Viver de verdade é dar passagem a algo além de si. Abrir- se para ser o veículo de manifestação das forças cósmicas.
Esse algo vem através do eu, mas é muito maior do que o eu. Por isso, é feio quando os egos se inflam e se arrogam ser os donos das criações.
Permitir-se ser tomado e seguir o inesperado, o novo, o acontecimento, o devir. Ter filhos é dar passagem. Escrever, pintar e compôr, também. A previsibilidade excessiva paralisa e retira o frescor e a poesia da vida.
" Se não fordes como crianças, não entrareis no Reino dos céus.", já dizia o mestre. A criança é sempre fresca, renovada, inocente. Que sabemos nós da vida, da verdade, do outro? Por quê temos essa pretensão de querer definir e rotular as pessoas?
Uma pessoa é sempre mais do que podemos, a princípio, perceber. Nela sempre mora um espaço vazio e imprevisível. Um espaço de passagem. Principalmente se for uma pessoa de verdade.
Também é preciso deixar passar. O que já foi, o que não tem mais sentido. O que não é, nem vai ser. Deixar de carregar esqueletos, corpos mortos. E saber passar pelos acontecidos sem importância, que não valem aderências e identificações maiores. Simplesmente passar. E deixar, soltar, esquecer.
Quem vive só em si, enclausurado em mini certezas preconceituosas e medíocres, já está morto. Ainda que esteja vivo. Quem olha e cria para além de si, permanecerá sempre vivo. Ainda que, porventura, já tenha morrido.
A eternidade mora no espírito. Somos seres feitos de passagens.
Leonardo Alvim Corrêa
1/03/22