"Ainda" sobre dinheiro e sociedade
Por causa do dinheiro, o empresário ou o comerciante vende seus produtos e serviços. Também o advogado, o médico, o agricultor, e até mesmo o cientista, o professor e o artista...
Sem dinheiro, nesse modelo de sociedade em que sobrevivemos, não dá para comprar nada, certo?? Não dá para viver dignamente, certo??
O dinheiro é o principal intermediário entre a tarefa executada e a gratificação dada por ela. Trabalha-se para ganhar um salário que será gasto em algum proveito. As pessoas, em sua maioria, se sentem extrinsecamente motivadas para realizar as atividades pelas quais se especializam, isto é, tendo o dinheiro como finalidade.
Mas e se não existisse este intermediário entre trabalho e gratificação?? E se a gratificação fosse direta, baseada no que se deseja?? (E que é moralmente viável, de preferência...).
Uma sociedade em que as pessoas trabalham e cooperam visando o lucro pessoal, está baseada numa falsa rede de cooperação, em que se faz algo pensando quase exclusivamente no próprio bem, no máximo, estendendo essa preocupação para parentes e "amigos' próximos. Este modelo de organização social é equivalente ao que alguns professores têm feito para incentivar os seus alunos a estudarem mais: oferecimento de dinheiro como gratificação por mais dedicação aos estudos, ao invés de esperarem que estudem compreendendo o que há de essencialmente vantajoso e valoroso nisso. Também é inequivocamente similar ao adestramento que alguns seres humanos aplicam, desde cedo, em animais, fazendo com que associem alguma gratificação familiar com obediência aos seus comandos. É o médico que se formou, não apenas para exercer a sua função, cooperando com a sociedade, tratando e salvando vidas, mas também ou especialmente visando salários maiores e prestígio social que essa profissão oferece. É o médico e tantos outros profissionais que cooperam, tendo a gratificação como finalidade por seus trabalhos e que, a priori, não há nada de insensato nisso. O grande problema aí é que, com provável frequência, o amor à profissão e o seu valor intrínseco, de cooperação, são sobrepujados pela gratificação em dinheiro que irá comprar canais para o bem estar pessoal, além de também ser usado como símbolo de superioridade social, especialmente àqueles que exercem profissões mais humildes.
O dinheiro é um meio, um intermediário para comprar o bem estar, a segurança ou a alegria, direta ou indiretamente material, se um carro ou uma viagem. Mas o dinheiro está sob controle de quem o detém em maior quantidade e são eles que mandam numa sociedade dominada por esse símbolo. Compra-se a alegria ao invés de recebê-la como gratificação direta pelo trabalho oferecido. E se o trabalho é mal pago, a gratificação será obviamente mínima. Muitos, talvez a maioria, fazem algo visando o dinheiro que receberão do que a função que estão exercendo ou a atividade que estão praticando, como se o prazer ou a recompensa intrínseca de praticá-la, dependendo do grau de satisfação que causa, valesse menos que o montante que ganha. Isso é uma deturpação profunda, porém muito normalizada, do próprio significado da vida, do porquê de existirmos, quando a vida passa a ser resumida ao acúmulo de cédulas. Se das atividades que praticamos e, especialmente, aquelas que são colaborativas à sociedade, para muitos de nós, são apenas meios para um mesmo fim, a recompensa em dinheiro. O mesmo, então, se torna um símbolo concreto do egoísmo humano, amplamente incentivado pelo capitalismo.