Prefácio Juliana Nicácio
A Poética de Juliana
Diante de um livro não devemos nos perguntar o que diz mas o que quer dizer (ECO, Umberto – O Nome da Rosa)
Um espanto tomou-me de assalto e, arrepiado, fiquei extasiado com a profundidade dos poemas, com a literariedade que se expõe e se permite, a quem se atrever a analisar, pois, a autora alerta que a interpretação do livro de poemas “que cada um de vocês fará não diz respeito a mim mais e sim a vocês e seus olhares” (Pag. 1)
A jovem poeta, não sabia o quão feliz tornar-me-ia ao convidar para ser o prefaciador de seu livro. No entanto, a missão encontrou um compromisso sectário por ser eu um defensor dos direitos da mulher, certificado em 2018 pelo Núcleo de Letras e Artes de Buenos Aires com o título de Embaixador da Paz e Defensor dos Direitos das Mulheres materializado pelo troféu Evita Perón, li, em suas páginas, histórias de dor, superação, ativismo, humanismo, feminismo, e vamos falar dessas qualidades a seguir, porque Juliana é como Clarice Lispector: não adianta ler superficialmente, há muito mais debaixo de cada palavra do que a mera representação sonora do vocábulo. Cada poesia abarca em si mesma a capacidade de libertar do interior aquilo que ela viveu. E, em sua juventude, a autora viveu o suficiente para interpolar poesia, autobiografia, ficção e a dualidade argumentativa que não permitem decifrar a efetividade daquilo que as palavras escritas pelo autor querem realmente significar. A dor está presente e diluída nas linhas dos poemas de Juliana, inconformada, não se rende à angústia, nem à depressão, escrever é o ato de gritar pela sua liberdade.
Nascida na Belo Horizonte dos anos 2000, a ativista e feminista resiliente define os rumos tomados por sua formação acadêmica na UniBH e vive a ascensão de um governo inominável, que admite a adoração por armas de fogo e a deterioração das artes como redenção de um povo a quem é desautorizada a possibilidade de esquecer a barbárie de décadas cinzentas relegadas aos porões da história recente. Em cada poema, uma superação surpreendente nos detalhes, na intertextualidade do feminino nietzschiano. Ser poeta, ser mulher, ser negra, ser da periferia, ser professora e gritar: “sou de 2050 eles não acreditam” (66). À frente no seu tempo, permite-se e não se detém sob ordem de quem quer que seja, ela evolui e dilata-se. Isto, Nota-se nos textos poéticos que expõe uma alma não tão jovem como realmente é, espírito vivo e livre. Ainda preciso dizer que a poesia dessa jovem autora é multifacetada e versátil, mas também é hesitante e voraz.
Friedrich Schlegel, em seu escrito sobre o estudo da poesia dos gregos, o Über das Studium der griechischen Poesie, afirma que seria necessário à poesia dos modernos encontrar o elemento interno organizador que auxiliaria o artista na busca pela exteriorização objetiva em sua criação literária, afirmação escrita em 1795 que se confirma mais uma vez em Juliana e vemos essa exteriorização objetiva (pós-moderna)no trecho da poesia “Ilustração”, está escrito literalmente sobre a busca de luz, na intenção de dizer que a autora busca ter uma ideia, um lampejo; em seguida o poema diz:
Sentei pra ver se tinha alguma "luz''
mas eu só via o farol dos carros
iluminando meus sapatos, se aproximando
da minha escuridão. (Nicácio, (Pág. 1)
Essa “luz” que se busca é um esclarecimento para um espírito abatido, uma sabedoria que busca perdão para algo do passado. E assim, vai a poesia falando para cada um particularmente, o que é essa luz que Juliana Nicácio escreveu em seu poema.
O elemento organizador da poética dessa obra está na incorporação das estruturas dialéticas do movimento de vivência e de sofismas capazes de fornecer ao leitor hora indignação, hora empatia e paixão pela autora sendo capaz de se interrogar e querer as respostas sobre o que é e o que não é autobiográfico. Há poema que parece autobiográfico, mas a autora nos afirma categoricamente que não é. O poema “6” demonstra um relacionamento abusivo em que o leitor toma empatia imediata pela protagonista da história poética; “Eu queria tanto que sucumbi aos insultos, aos jogos sujos, eu aceitei a dor, só pra ver você falar” (Pág. 3) e novamente no poema “8” que narra a cena de horror como se fosse cenas de amor:
O descontrole deu a volta pela minha cintura
e fortemente me golpeou com um abraço
Que soluço engraçado!
Gotas de amor pelo rosto, pelo cabelo, pelo braço.
Tudo um dia acaba em amor... (Pág. 4)
E suas denuncias de uma relação abusiva, de um cotidiano feminino que se rebaixa sobre a força hipócrita masculina, tanto a força do braço quanto da covardia de impor terror psicológico. São denuncias poéticas da mazela social que acabam em um número crescente de feminicídio.
Contudo, felizmente, as poesias ganham visualmente uma interpretação indissociável dos traços da própria autora em suas ilustrações autorais retratando a profundidade dogmática que auxilia, como um acessório precioso, na busca de exteriorizar a criação objetiva, tanto descritiva quanto paralógica. Nicácio descreve em sua poesia a vida de milhares de mulheres em analogias matrilineares com a leveza necessária para produzir sentimentos que estarão em conexão com um espírito enlevado na demonstração de amadurecimento poético literário da mulher negra escritora brasileira. De modo preciso, como se lê em “Ilustração”:
Se você um dia
Pudesse pegar ao vento
Um fujão dos meus pensamentos
Jamais me reconheceria. (Pág. 4)
No texto que antecede a novela de Ernest Hemingway, “O Velho e o Mar”, está escrito - " Um homem pode ser destruído, mas nunca derrotado". Assim é Juliana: Essa mulher jamais será destruída e sua forma intensa de escrever poesia de modo algum no futuro será decadente, porque sua poética permanecerá gritando aos ouvidos daqueles que começarem a dar seus primeiros passos no estudo da literatura brasileira. Permitindo-me discordar do poema 103, as mulheres são a glória da criação divina, sim, em seus buracos infinitos cabem o universo, de uma mulher nasceu o Deus encarnado, criador do universo, a mulher é a glória da criação e Juliana Nicácio transportou toda essa beleza e magnificência para as páginas dessa obra, halo que simboliza o esplendor na literatura feminina. Ao futuro entrego Juliana Nicácio que profetiza sobre si mesma “Sendo livre, serei livro. Sendo livro, serei livre”.