Minha sala de aula do futuro
Há muitos anos atrás, em Portugal, quando eu ainda frequentava o ensino primário, aconteceu algo na minha sala de aula que recordo até hoje, por tratar-se de um episódio muito triste.
O Mateus era uma criança franzina e aparentava viver no mundo da lua, como muitas outras crianças. Nada do outro mundo. Apenas tinha um ar um pouco mais distraído do que o normal. Por isso, a professora quase todos os dias o chamava a atenção, fazendo crer que não simpatizava muito com ele. Antes pelo contrário. Em vez de procurar conversar para tentar de alguma forma ajudá-lo, todo o dia o ameaçava com castigos, como se aquilo pudesse resolver alguma coisa.
Naquela tarde cinzenta de outono, o Mateus foi chamado pela professora para receber as suas provas corrigidas de aritmética, ditado e redação. Era norma todos os alunos serem chamados a ir junto à mesa da professora que se encontrava sobre um estrado de madeira, a nível superior.
E naquele dia não foi diferente. Quando o Mateus recebeu as suas provas, a professora dirigiu-se a ele e à turma num tom solene:
- O Mateus, mais uma vez foi muito mal nas provas e por consequência hoje vai ser castigado.
O nosso coleguinha ficou triste e pálido, baixando a cabeça em sinal de vergonha.
- A partir de hoje, quem for mal nas três provas, como é o caso do vosso colega, irá arrepender-se...
A turma ficou em silêncio e nesse momento a professora abriu a gaveta da sua mesa. Tirou dela um objeto comprido que parecia ser feito de cartolina, com um elástico numa das pontas.
- Hoje, e até ao final da nossa aula, o Mateus ficará exposto na janela da nossa escola, para que todas as pessoas o vejam.
Dito isto, ergueu o objeto e colocou-o sobre a cabeça do pobre coitado. Eram umas “orelhas de burro”, recortadas em cartolina de cor escura. E para culminar aquele macabro episódio, encaixou-as naquela cabecinha de menino, ajustando-as por baixo do queixinho do Mateus, com o forte elástico...
Este é um exemplo drástico e patético sobre aquilo que não deve (pode) acontecer em uma sala de aula. É nossa esperança que situações e recursos como esse sejam para sempre apagados da nossa memória.
A escola atual ainda tem inúmeros problemas para resolver, talvez não mais com esta dimensão, mas com outras situações tão ou mais graves que esta.
Gostaria que a nossa escola do futuro fosse um lugar de troca de informações e que a aprendizagem transitasse num levar e trazer de conhecimento. Onde aprender o que é humano se tornasse fundamental, para que daí adviesse todo o tipo de aprendizagem.
O processo de ensino aprendizagem está a deixar de ser humano, quem sabe na iminência de tornar-se um instrumento com o qual nos apropriamos do outro, reduzindo-o a uma mão de obra barata, por sermos donos de um capital intelectual.
É necessário que o saber possua sabor.
O sabor e o saber são um bem querer...
Às vezes, seria bom deixarmos de lado as abordagens muito técnico científicas, para nos dedicarmos mais a estar com o aluno, simplesmente.
Para que servirá uma sala de aula se não for capaz de nos transportar para além dessa sala?
A matéria prima de todo o processo de aprendizagem são as pessoas, os seus saberes, fazeres e quereres. Existe toda uma riqueza de possibilidades de relacionamento, companheirismo, socialização e troca de experiências. O conhecimento do outro e o respeito pelas diferenças, desejos e visões do mundo.
Os saberes e os fazeres culturais de professores e alunos, podem ser utilizados como matéria prima em ações pedagógicas, ao serem trabalhados através de soluções e alternativas que integrem a satisfação econômica, os valores humanos e culturais, o compromisso ambiental e o empenho comunitário.
A afetividade, as palavras e as atitudes, podem interagir na diversidade existente na sala de aula e assim constituírem-se como uma fonte de riqueza.
Na sala de aula do futuro não será necessário sufocar o lúdico ou eliminar a alegria para que haja disciplina.
A tarefa de todo o educador é alargar o conhecimento, sem fronteiras, para fazer com que o mundo cresça, dentro e fora da sala de aula.