Flores no deserto
Babi, a jovem protagonista do romance infantojuvenil "Um ipê de cada cor", deixou o Rio de Janeiro e foi morar em Brasília com seu padrasto, sua mãe e um irmãozinho a caminho – uma mudança e tanto para quem já se via encarando as muitas transformações típicas (e atípicas) da adolescência. Em Brasília, no entanto, Babi percebe que, mesmo em tempos duros e áridos, ainda é possível florir e colorir: os ipês pintam a cidade cinza justamente na época mais seca do ano. É na adversidade que as flores nascem.
A arte imita a vida ou é a vida que imita a arte?
Porque, de certo modo, foi o que aconteceu também com a escritora piauiense radicada em Brasília Eriane Dantas, autora da obra "Um ipê de cada cor", lançada em agosto de 2020 pela Editora InVerso, com ilustrações de Bianca Lana.
Como sua protagonista Babi, no início de sua adolescência Eriane viu-se obrigada a se mudar com sua família para o Distrito Federal. Como Babi, Eriane só queria voltar para sua terra natal. Já que não podia, camuflou-se, buscando passar despercebida. Como Babi, Eriane não se sentia parte do meio.
Brasília, porém, já se sentia parte de Eriane e tratou de apresentar a ela suas muitas camadas recheadas de diversidade e belezas, sotaques, culturas, costumes, vozes, sons, tons e ritmos. Conhecendo Brasília, e identificando-se em sua multiplicidade, Eriane reconheceu e assumiu com orgulho a grandeza que trazia em sua história e origem. Não precisava mais se camuflar e se esconder. Ela era parte do todo.
Eis a razão pela qual a autora decidiu que Brasília seria quase uma personagem de seu segundo livro, "Um ipê de cada cor"; foi o jeito que encontrou de retribuir o que recebeu. Afinal, foi ali que Eriane cresceu e, como os ipês, floresceu, tornando-se quem é: mãe, esposa, educadora, servidora pública. Escritora.
Aos 33 anos, Eriane Dantas tinha um plano para 2020, assim como muitos também tinham: realizar o lançamento do seu livro, receber seus amigos e convidados e distribuir muitos autógrafos, beijos e abraços. Pretendia levar seu livro até as mãos do leitor.
Cheia de projetos e expectativas, como todos nós, Eriane viu tudo mudar com a chegada da pandemia, do isolamento, do medo, da crise generalizada. O que era terreno fértil, subitamente secou.
Se há uma pedra bloqueando a passagem, duas possibilidades surgem de imediato: tentar em vão remover a pedra, brigar com a pedra, reclamar da pedra, negar que a pedra existe. Ou abrir atalho e criar uma nova trilha, por onde poderá seguir adiante. Os ipês, afinal, não florescem em meio à baixa umidade do ar? Os novos caminhos só são abertos quando os velhos atravancam o curso.
Eriane Dantas decidiu não brigar com a pedra que, inesperadamente, surgiu, bloqueando as conhecidas vias de acesso iluminadas e pavimentadas da humanidade. Seria inútil. Então fez o que fazem os ipês e tratou de florescer na aridez.
O lançamento de "Um ipê de cada cor", até então programado para ocorrer nos moldes tradicionais, saiu do real para o virtual e aconteceu através do Facebook e do YouTube da Editora InVerso no dia 29 de agosto (assista aqui: https://youtu.be/9xlHBebX2Rk). Primeiro desafio, já que Eriane nunca tinha participado de uma live – e, talvez, não participasse tão cedo. Somos, afinal, criaturas de hábitos e tendemos a nos manter em zonas seguras. Entretanto, o novo caminho em construção tinha outras paisagens, formas e uma ponte, que Eriane atravessou.
O desconhecido mostrou-se pra lá de positivo: muitas pessoas, dos mais variados cantos, puderam também participar – o que não ocorreria em um evento presencial. Afora o fato de que o lançamento continua disponível para ser assistido quando e como se preferir. Flores no deserto.
Contudo, Eriane sabe que o trabalho do escritor não termina quando o livro é publicado; muito pelo contrário. Ali se inaugura uma nova fase, que tem início, mas não tem fim, que é levar o livro até o leitor. Eis o objetivo maior de todo contador de histórias, já que quem lê termina de escrever o que o escritor começou.
Para tanto, Eriane seguirá descobrindo formas de nascer e renascer em tempos de aridez. Seguirá escrevendo e reescrevendo o que vê e o que sente, e publicando em seu blog, "Histórias em mim" (www.historiasemmim.com.br), que mantém desde 2018. Seguirá desaprendendo e reaprendendo, desconstruindo e reconstruindo, um pé na frente do outro e assim se faz o caminho.
Porque é no contato com o seu interior e no trato com o seu exterior que Eriane Dantas vai abrindo passagem, enquanto planta e colhe histórias dentro e fora de si.