MEMORIAL SOCIOLINGUÍSTICO

Eu me chamo Duana Ravena dos Santos Vieira, tenho 31 anos, sou piauiense, casada, mãe de dois filhos, Matheus de onze anos e Ana Liz de dois anos, sou professora de Espanhol e Português do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão - IFMA, Campus Avançado Carolina desde 2016, atuo como professora de Espanhol desde 2010, logo que iniciei na graduação já fui desafiada a assumir turmas da 5ª série (hoje 6º ano) ao 3º ano do Ensino Médio em uma escola particular da minha cidade.

Meus pais José Deodato Vieira Filho e Maria Dolores dos Santos Vieira tiveram, além de mim, mais três filhos. Danilo é o meu irmão mais velho, eu sou a segunda, na sequência tem a Diala e o Deodato Neto, como podem perceber, todos com nome iniciado com a letra D, para ficar bem combinadinho!

O Danilo é formado em Sistema de Informação, Diala em Enfermagem e é especialista em Obstetrícia, Deodato Neto é formado em Direito, todos trabalham em suas respectivas áreas, se destacam em suas carreiras, possuem estabilidade financeira e se sentem realizados, felizes com as escolhas profissionais que fizeram.

Minha mãe, de origem pobre, estudou a vida inteira em escola pública, sempre gostou de estudar e ler livros, apaixonada pelo conhecimento mesmo não tendo este exemplo em casa, mesmo não recebendo apoio dos pais e irmãos, minha mãe venceu, hoje é Doutora em Educação pela Universidade Federal do Piauí - UFPI, mesma instituição em que realiza suas atividades laborais desde 2014. Aprendi com ela o amor pelos livros, pela docência.

Minha mãe sempre trabalhou e estudou, nenhuma dificuldade dentre tantas que enfrentamos no período em que ela estava na Graduação, na Pós, no Mestrado e no Doutorado a fizeram parar, é uma pessoa brilhante, sofre por ter pouco tempo para os filhos e hoje para os netos, mas não se deixa abater por nada! Segue estudando, lendo, produzindo, pesquisando.

Meu pai também é de origem humilde, desde cedo precisou trabalhar para ajudar meus avós com a “luta” da casa e da roça, ia estudar a quilômetros de distância, no máximo conseguia uma bicicleta para ir, mas na maioria dos dias era a pé mesmo. Não levou muito tempo para cansar e desistir da escola. Parou ainda no Ensino Fundamental e nenhum convite o fez voltar.

Meu pai admira muito quem estuda, sempre fala que não vê forma de vencer na vida se não for pelos estudos. Desde onde alcançam as minhas lembranças, meu pai sempre esteve presente em nossa casa e família dando o suporte para que fôssemos os melhores estudantes, cobrando os melhores resultados, incentivando e cuidando de nós, da nossa roupa e fardas, da nossa casa, buscando e levando cada um de nós desde a escola até a faculdade.

A minha vida escolar iniciou, efetivamente, quando eu tinha quatro anos de idade, seguindo os passos do meu irmão mais velho, fui matriculada pelos meus pais no Patronato Maria Narciso, escola particular filantrópica e religiosa dirigida pela Congregação Filhas do Coração Imaculado de Maria, na cidade de União no Piauí.

Eu e todos os meus irmãos estudamos lá toda a Educação Infantil até a 8ª Série do Ensino Fundamental, os dois mais novos ainda puderam fazer o Ensino Médio também, no meu tempo não existia ainda, e o melhor de tudo é que os dois mais novos foram meus alunos de Língua Espanhola.

Eu sempre gostei de estudar, queria ser a aluna nota dez todos os anos, na Educação Infantil lembro que me destaquei na aprendizagem e quando eu estava no Jardim II (5 anos), na formatura da turma da Alfabetização do meu irmão eu fiz uma homenagem, ou pelo menos tentei, pois lembro nitidamente que eu, com meu vestido rodado e meus cachos, fiquei muito emocionada ao começar a ler a mensagem que minha mão me ajudou a preparar, comecei a chorar, meu pai subiu ao palco, me ajudou a terminar com muita dificuldade e emoção a leitura. De qualquer forma, foi um momento lindo e marcante em minha vida.

Durante a minha vida escolar no Patronato eu fui líder de classe, presidente do Grêmio Estudantil, tive alguns textos selecionados para o jornalzinho semestral da escola, fui atleta, tive bons professores e outros nem tanto, depois de ter lido Ferrarezi Jr, descobri que fui silenciada várias vezes ao longo da minha vida estudantil, mas sobrevivi, como a história que falamos sempre nas aulas com a professora Maria da Guia Taveiro Silva, sou uma bactéria resistente e eu só me dei conta recentemente.

Minha mãe foi minha professora de Língua Portuguesa no Ensino Fundamental II, foi uma experiência maravilhosa, ela virou duplamente o meu exemplo. Trabalhamos em muitos projetos escolares juntas, escrevemos juntas, participamos de concursos juntas e foi um tempo em que pudemos conviver um pouco mais, já que a rotina sempre corrida nos impedia de compartilhar momentos em família.

Eu sempre gostei da Língua Portuguesa, minha matéria favorita, desde pequena gostava de escrever diários, cadernos de mensagens, poemas, sempre fui muito romântica e sentimental, aulas chatas eram gatilhos para eu pegar um papel e fazer um poema e assim, fui parar algumas vezes na diretoria, por falta de respeito ao professor que estava ministrando a aula que em nada me interessava.

Participei de concursos de poesias, participei de concurso de música e o inusitado é que sempre conseguia alguma colocação e até um primeiro lugar saiu. Acredito que o ditado que mais escutei e escuto na minha vida é: “Filho de peixe, peixinho é!”, eu lembro que havia uma disputa na escola para o posto de aluno com melhores notas, de maior destaque, com mais textos no jornal, enfim. Coisas que, provavelmente, só acontecem na escola particular.

Não me recordo de nenhum episódio em que eu tenha sofrido marginalização devido ao meu modo de falar e de escrever, o fato de ter afinidade com a Língua Portuguesa favoreceu a minha aprendizagem, mas me lembro vagamente que interpretação de texto me assombrou um pouco, chegou um tempo que eu interpretava sempre errado, foi um conflito muito grande para mim e fui atrás de resolver este meu problema e ainda lembro o que ouvi da professora: “interpretação de texto não é falar o que você pensa, o que você entendeu, é se colocar no lugar do autor, procurar pensar como ele.” Daí, comecei a me interessar pelas referências.

Tudo que eu contei até aqui foi sobre a minha vida no Patronato Maria Narciso, hoje PCIME, ou seja, da minha Educação Infantil até a oitava série do Ensino Fundamental. Além de passar com as melhores notas, para ser realmente bons, tínhamos que terminar o Ensino Fundamental no PCIME já aprovados no “Teste do CEFET-PI”, porque no meu tempo o melhor Ensino Médio era da escola pública federal, além de tudo, gratuito. A concorrência era superior a trinta estudantes para uma vaga, a prova era composta de 60 questões, 30 de português e 30 de matemática.

Nem todos tinham condições de sonhar com o teste, pois teria que mudar do interior para a capital, embora a escola fosse pública, seria oneroso, gastar com transporte, moradia, alimentação. Mas já era tradição a escola encaminhar-nos para o teste, logo dava visibilidade para a escola, o rosto dos aprovados ia para um outdoor na entrada da cidade e para os muros da escola, motivo de orgulho. Eu consegui! Passei no teste!

Começou a minha vida nova, Ensino Médio, capital, tudo novo e muito diferente, uma escola gigante, não se viam servidores pelos corredores, não havia muitas informações, as coisas só aconteciam, faltavam livros didáticos, os professores faltavam, tinha dias que não tínhamos aulas, enfim, muita frustração na nova realidade, não conseguia acreditar que a escola que eu lutei para estar era aquela bagunça, foram três anos difíceis, de pouco aprendizado, mas de resistência, afinal o maior desafio estava por vir, prestar o vestibular.

Depois dos três anos de Ensino Médio, não consegui passar no vestibular da universidade pública, meus pais não podiam e não queriam pagar faculdade particular, acredito que foi a primeira vez que os decepcionei em minha vida estudantil, mas eu estava agradecida de pelo menos ter concluído o Ensino Médio, tarefa muito difícil dadas as circunstâncias.

Meus pais não pensaram muito depois disso, a decisão era automática, não passou no vestibular, volta para o interior e vai trabalhar, voltei renitente, chorando, mas obedeci. Minha mãe já estava com uma conversa encaminhada para eu adquirir alguma experiência no PCIME, havia contado toda a situação para as Irmãs que ficaram felizes com meu retorno para a cidade.

Comecei então a minha vida de gente grande, trabalhando como professora de dança, sei que soa estranho, mas eu sempre gostei de dançar e sempre estava à frente das coreografias da escola ainda enquanto aluna, confesso que eu gostei da ideia.

Depois de alguns meses fui convidada para trabalhar também na secretaria da escola, conferindo diários, boletins e revisando os materiais do setor de digitação. Experiência boa, estava me dando bem, então engravidei do meu primeiro filho e pertinho dele nascer apareceu um edital de vestibular da Universidade Estadual do Piauí - Pólo União, ou seja a turma ia funcionar na minha cidade, não haveria oportunidade melhor.

Havia nesse Edital apenas uma opção de curso - Letras Espanhol, ( até aqui o que eu sabia de espanhol era quase nada, tive experiência com a língua espanhola apenas no segundo ano do Ensino Médio e foi um fracasso.) não pensei duas vezes, vou fazer, tinha essa dívida comigo e com meus pais, não podia parar de estudar. E com dedicação eu poderia gostar de espanhol sim! Mal sabia eu que a língua espanhola estava me escolhendo e que tudo mudaria a partir dali.

Foram incontáveis os desafios, as irmãs da escola, quando souberam da minha aprovação no vestibular presentearam-me com vários livros didáticos de espanhol e já anunciaram que eu seria a professora de Espanhol da escola no ano seguinte, (cursei o primeiro período da graduação no segundo semestre de 2009 e em 2010 eu já seria a professora de espanhol da ecola do Ensino Fundamental e Médio) eu estava muito feliz, percebendo a virada que a minha vida estava dando, porém muito preocupada se iria dar conta.

Por quatro anos, de 2009-2013 eu conciliei um filho pequeno, trabalho e estudos, não consigo lembrar como dei conta, só sei que mais uma vez a bactéria resistente sobreviveu. Daí em diante só olhei para frente, fiz pós, fui professora substituta do estado do Piauí, trabalhei na Universidade Estadual do Piauí atuando nos cursos de letras EaD, orientando TCC, passei no concurso da SEDUC-MA, no concurso do IFMA, tive mais uma filha, casei, fiz mais uma pós e lutei, lutei e lutei para chegar aqui no mestrado!

A minha formação é em Letras Espanhol e eu sempre li e discuti sobre a inserção da língua estrangeira, segunda língua nas escolas brasileiras, agora no mestrado estou aprendendo sobre as dificuldades com o ensino de língua materna, estou aprendendo tanto e estou me comprometendo a fazer um trabalho ainda melhor com os meus alunos, o conhecimento realmente nos transforma, o ensino de língua materna é a chave para uma educação mais humana, mais viva, mais participativa e mais eficiente.

Precisamos transformar a realidade da educação brasileira, precisamos aprender a valorizar a voz da sociedade, respeitar as diferenças, a escola precisa deixar de ser um lugar que faz aflorar as desigualdades, que trata com indiferença os desfavorecidos pelo sistema. Precisamos ser multiplicadores dos conhecimentos que estamos construindo juntos neste mestrado!

Ravena Vieira
Enviado por Ravena Vieira em 14/01/2021
Código do texto: T7159540
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