COMPRANDO TÊNIS
COMPRANDO TÊNIS
Expulsaram-me da loja no ato porque escrevi
Um poema na tampa de papelão da caixa, faixa
Área lisa da tampa, guarda de sapato. Fui pego
Pego no susto, berraram comigo, ameaçaram
Como se fosse um criminoso de fato, vigiado
E castigado por ter escrito um poema na tampa
Da caixa de sapato. Expulsaram-me com rigor
Reclamaram de minha falta de pudor, mas eu
Simplesmente escrevi um poema num pedaço
Na margem de papelão de uma caixa de sapatos
Não escrevi contra a ditadura, apenas uma peça
Poética que nem era de combate à tortura nela
Na lisura branca da tampa da caixa de sapatos
Ela não servia para nada, era apenas papelão
Nem sequer de longe ato de rebeldia estética
Longe de ser terrorismo de Estado: só poesia
Na loja onde quase ninguém havia, era mera
Meramente exercício, versinhos privados, sim
Carentes, quase um sestro sem terceiro intento
Um desenho de um catavento encimado por
Reles, desprentenciosa poesia na cx. de sapato.