Historia da Ferrovia Madeira Mamoré

Uma breve história... A Ferrovia Madeira - Mamoré

A construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré é um feito épico. Por cinco décadas, desde as primeiras idéias até sua conclusão em 1912, milhares de pessoas enfrentaram o ignoto, as doenças, o medo e a morte. Estimam-se em mais de 5.000 as mortes por moléstias tropicais desconhecidas, ataques de índios e de animais selvagens, acidentes, desaparecimentos na mata, etc... Entre aqueles diretamente envolvidos em sua construção. Aqui, nossas homenagens e preito de gratidão a esses bravos, nossos antepassados na conquista e ocupação da Amazônia.

As origens.

As lutas pela independência na América Espanhola e, posteriormente, guerras localizadas pela posse de regiões de contestado, resultaram na perda do acesso direto ao oceano Pacífico por parte da Bolívia. Assim, desde meados do século XIX a idéia de alcançar o Atlântico pelos rios Madeira e Amazonas era cultivada naquele país, como forma de estabelecer uma rota sólida para a comercialização de suas riquezas, em particular a borracha. O grande empecilho à navegação nesta rota estava no trecho encachoeirado do rio Madeira - um trecho de cerca de 300km entre o rio Mamoré e Santo Antonio do Madeira. Desde cedo surgiram propostas de construção de uma ferrovia que transpusesse esse trecho, margeando-o.

Para o Brasil, essa era também uma solução conveniente, pois abriria nova rota de acesso ao Mato Grosso, até então feito quase exclusivamente pela bacia do Prata, navegando o rio Paraguai. A "Guerra do Paraguai" se encarregou de tornar evidente ao governo imperial brasileiro toda a importância política e estatégica de nova ligação, desta vez navegando os rios Madeira, Mamoré e Guaporé.

As primeiras tentativas

Após vários estudos e propostas, no início da década de 1870, foram feitas as primeiras tentativas de construção de uma ferrovia que atendesse àqueles objetivos

Em 01 de março de 1871 o coronel norte-americano George Earl Church, de posse de concessões dos governos boliviano e brasileiro, constituiu a Madeira & Mamoré Railway Company Limited e contratou a empresa britânica Public Works Construction Company para executar a obra.

O primeiro grupo de engenheiros chegou a Santo Antonio do Madeira, nada mais que um pequeno aglomerado de casebres, em 06 de julho de 1872. Poucos dias depois, os primeiros carregamentos de materiais de construção, equipamentos e operários, trazidos de navio desde os Estados Unidos da América chegaram ao local.

A Public Works abandonou o canteiro de obras um ano depois, sem conseguir assentar um único metro de trilhos. Em 09 de julho de 1873, a PWCC entrou na justiça britânica com um pedido de rescisão de contrato e de indenização, alegando entre outras razões "condições sub-humanas na região". Basicamente, a MMRC e a PWCC foram derrotadas pelo desconhecimento da região e o mau planejamento (até pelo desconhecimento) da obra.

Os grandes problemas enfrentados pela empreteira foram:

a) a insalubridade e as doenças, imprevistas e muitas vezes desconhecidas.

b) os ataques de indígenas, que defendiam suas terras milenares, de invasores que os ignoravam.

c) a conclusão de que os custos da obra seriam bem maiores que o dobro do originalmente previsto.

d) a constatação de que a ferrovia teria extensão significativamente maior que a esperada, uma das principais causas do aumento dos custos.

Durante a batalha jurídica que se seguiu, Church ainda contratou duas outras empreiteiras, num esforço quase desesperado para realizar sua obra.

I) Dorsay & Caldwell, construtora americana, assumiu o compromisso de construir 15km de linha, sem receber pagamento, enquanto corria a lide no foro londrino. Assinou contrato em 17 de setembro de 1873. O primeiro, e pequeno, grupo de trabalhadores chegou ao local da obra em janeiro de 1874. A comitiva retornou poucos dias depois aos EUA, após a primeira morte por doença.

II) Em 19 de fevereiro de 1878, a firma norte-americana P & T Collins desembarcou em Santo Antonio com mais de 700 toneladas de cargas para dar andamento aos trabalhos. A construção teve início em meio às já conhecidas dificuldades. Até maio de 1879, os resultados obtidos a custos da ordem de 500.000 dólares foram:

- 108 km de projeto definitivo locado,

- 40 km de faixa desmatada,

- 11km de terraplenagem prontos

- 9 pontilhões de madeira medindo 443m no total,

- nenhum km de ferrovia.

Em 04 de julho de 1878, comemorando o "Independence Day", a data nacional norte-americana, a primeira locomotiva a trafegar na Amazônia andou num trecho de 3km de extensão, dos quais apenas 800m eram definitivos. Era a conhecida Coronel Church - a máquina 12, que pode ser vista no Museu da E.F.M.M.

Pelas mesmas razões da Public Works, em 19 de agosto de 1879, a P & T Collins paralisou oficialmente as obras da ferrovia.

A ferrovia "da morte"..

Em 1882 os governos do Brasil e da Bolívia assinaram um tratado relativo à navegação de seus rios fronteiros, e à construção de uma estrada de ferro ligando o rio Mamoré ao trecho navegável do Madeira. Novos estudos foram encomendados pelo governo brasileiro. A Comissão Morsing (em 1883) produziu um relatório que depois se mostrou basicamente correto embora inconcluso, pois as doenças praticamente dizimaram a comissão. A Comissão Pinkas (em 1884) substituiu-a, e produziu um relatório bem mais otimista que o de Morsing, embora tenha sido acusado de tê-lo forjado. A grande discrepância entre os dois estudos deu margem a severas críticas ao projeto da ferrovia.

Sòmente em 1905, por força do Tratado de Petrópolis (assinado em 17 de novembro de 1903), onde eram signatários o Brasil e a Bolívia, e que tinha como objetivo pôr fim ao litígio originado com a luta pela posse da área do atual estado do Acre, o governo brasileiro abriu concorrência pública para a construção da ferrovia, vencida pelo eng. Joaquim Catramby.

O tratado obrigava o Brasil a construir em território brasileiro uma ferrovia desde o porto de Santo Antonio, no Rio Madeira, até Guajará Mirim, no Mamoré. Deveria também conter um ramal que passando por Vila Murtinho (ou outro ponto próximo), chegasse a Vila Bela, na Bolívia, na confluência dos rios Beni e Mamoré

A empresa americana May, Jekill & Randolph foi encarregada da sua execução, iniciada em 1907. A Madeira Mamoré Railway Co. Fundada em 02/agosto/1907 em Portland (EUA) por Percival Farqhuar, como parte dos seus entendimentos com Catramby, concluiu a obra em 01/ago/1912. De Catramby diz-se ter sido um simples "testa de ferro" de Farqhuar, este um condutor de grandes empreendimentos nos EUA e na América Central. No Brasil conduzia a construção do Porto do Pará. Em 25/fev/1909, a MMRC assinou com o governo brasileiro, um contrato de arrendamento da estrada por um período de 60 anos, a contar de 01/julho/1912, ano previsto para sua conclusão.

Mais de 20.000 operários trabalharam na obra neste período (alguns autores falam em 34.000), registrando-se muitas centenas de mortes entre os trabalhadores. No reinício, novamente o empreendimento viu-se ameaçado pelas condições sanitárias da região. Metade dos trabalhadores adoecidos morriam. Os sobreviventes tornavam-se pessoas debilitadas, e dificilmente seguiam trabalhando. No segundo ano, o período médio de vida dos operários era de três meses.

Em 1908 foi construído o Hospital da Candelária, que impressionou o sanitarista Oswaldo Cruz em visita de inspeção à região da obra.Os registros oficiais do Hospital da Candelária, à época a melhor referência no tratamento de doenças tropicais na região e quiçá no país, mostram que no período jan-1909 a dez-1912 foram ali atendidos 145.647 doentes. E que ocorreram, nesta etapa e no hospital, 1.552 óbitos. Há quem afirme, entretanto, que as mortes foram quase 6.000, incluindo-se aqui os que morreram fora do hospital. Não procede, portanto, a lenda que diz que cada dormente da estrada representa uma vida perdida, que fez com que fosse denominada ferrovia do diabo, ou da morte, por alguns autores. Apenas para ilustrar, nos seus 366km a estrada tinha cerca de 750.000 dormentes.

As moléstias que mais castigaram os operários foram:

· A pneumonia, que grassava nas obras, causando cerca de 60% de mortes entre os afetados.

· O sarampo, moléstia trazida à região pelo vapor Borborema, em 1910.

· A ancilostomíase, infecção intestinal que atacou cerca de 80% dos operários.

· O beribéri, de causa ignorada à época da construção. Atacou parcela pequena de trabalhadores.

· A febre amarela, trazida por passageiros vindos de Manaus, não chegou a disseminar.

· O impaludismo. Foi o grande mal, e grande a mortandade por ele causada. Devido a ela, Oswaldo Cruz chegou a afirmar que a população local "não sabia o que era estado saudável", a condição de ser enfermo era a normalidade. Vale dizer que, ainda nos dias atuais, existem localidades em Rondônia em que, a cada ano, a quase totalidade da população é atacada pela moléstia. Repetindo-se no ano seguinte, principalmente quando os rios começam a baixar.

Grande parte dos trabalhadores procedia da Espanha, Barbados, Trinidad, Jamaica, Panamá e Colômbia. Em menor número, encontrava-se: italianos, franceses, indianos, húngaros, poloneses, dinamarqueses e gregos. Mas o maior contingente era de brasileiros.

- O primeiro trecho, com 90km de extensão entre Porto Velho e Jaci Paraná, foi solenemente inaugurada em 31 de maio de 1910.

- O segundo trecho, com 62km de linha, foi inaugurado em 30 de outubro de 1910. A ferrovia alcançava agora a Cachoeira dos Três Irmãos, com 152km de extensão.

- Em 7 de setembro de 1911, comemorando a Independência do Brasil, foi inaugurado o trecho desde Porto Velho até Abunã, na foz do rio de mesmo nome, com 220km de extensão. Embora matematicamente incorreto, era considerado o ponto médio da estrada.

- Ao final do ano de 1911 já haviam sido lançados 306km de trilhos.

- Finalmente, em 30 de abril de 1912 foi assentado o último dormente da Estrada de Ferro Madeira Mamoré, no ponto final em Guajará Mirim. Em 01 de agosto de 1912 foi inaugurado este último trecho, dando-se a obra por encerrada!

Quando foi finalmente concluída, a ferrovia ligava a futura Porto Velho a Guajará Mirim, na fronteira com a Bolívia, numa extensão de 364km. Mais tarde, uma pequena alteração no traçado aumentou essa distância para 366km.

O declínio da ferrovia

Ao tempo em que a obra da estrada de ferro se concluía, os seringais plantados na Malásia entraram em produção, e tornaram proibitivos os preços da borracha produzida na Amazônia segundo técnicas antiquadas e de baixa produtividade. Foi o fim do chamado "primeiro ciclo da borracha".

Já em 30/jun/1931, como conseqüência de seguidos prejuízos, resultantes basicamente do declínio do comércio da borracha com os produtores da Amazônia, e da ausência de novos produtos a transportar, a Madeira-Mamoré Railway Company paralisou o tráfego. Decorridos dez dias de prazo contratual, sem que a Companhia retomasse as operações, em 10/jul/1931, através do Decreto Nº 20.200, o Governo Federal assumiu o controle total da Estrada de Ferro Madeira Mamoré, passando a administrá-la. Durante todo o restante período de operações a ferrovia operou com prejuízos.

Em 01/jul/1972, após a conclusão da ligação rodoviária entre Porto Velho e Guajará Mirim, a ferrovia foi definitivamente desativada. O pequeno trecho de 7km, entre Porto Velho e Santo Antonio do Madeira (onde não existe mais a pequena vila do início do século) voltou ao tráfego em 05/mai/1981 para fins turísticos. Atualmente o trecho reativado alcança o quilometro 25, local de uma antiga vila de ferroviários, na altura do Salto do Teotônio, a maior das cachoeiras do Madeira.

Tininho
Enviado por Tininho em 22/10/2007
Reeditado em 13/01/2012
Código do texto: T705622