A falsa dicotomia (absoluta) entre razão e emoção

"Mais razão, menos emoção??"

Se eu não sentisse medo como é que poderia avaliar riscos à minha segurança?

Não é a emoção, sozinha, que impede a racionalidade, mas quando é insuficiente ou excessiva, especialmente em situações complexas ou difíceis que exigem abordagens rápidas. Por exemplo, se estou dentro de um ambiente fechado, lotado de gente, que começa a pegar fogo, e as pessoas, com pânico, se amontoam numa mesma saída para escapar, ao invés de segui-las, eu posso tentar me acalmar e pensar na melhor maneira de agir, se mitigando riscos de ser esmagado por aquela multidão ou buscando por outra rota. Se eu ficasse histérico, seguiria a maioria, irreflexivamente, pois não pararia para pensar em outras possibilidades de fuga. Já, se não esboçasse reação, continuaria a agir como se nada de grave estivesse acontecendo. No entanto, o medo de morrer foi fundamental para direcionar os meus pensamentos em alternativas de escape..

Detecção de potenciais perigos humanos

Existem pessoas que se apaixonam perdidamente por sádicos, egoístas e/ou oportunistas e que, como consequência, passam a ser tratadas de maneira sistematicamente abusiva por eles.

O problema não é apenas o excesso de emoção que impede a análise e o julgamento moralmente preciso, mas, também, aquela que está ausente e que é primariamente necessária para uma resposta ideal, por exemplo, em relações de abuso, como a raiva, a indignação, a decepção e a desconfiança..

Claro que se a vítima sinalizar que descobriu que está sendo abusada, isso pode vulnerabilizar ainda mais a sua situação, pois pode deixar seu malfeitor em alerta, dando chance para que ele ou ela se reorganize e restabeleça seu domínio sádico ou até parta para medidas mais graves. Apesar desse risco, reconhecer, emocionalmente, que está sendo vitimado, é fundamental para pensar em agir a partir desse fato.

Tratamento dado aos amigos e emoção apropriada em momentos de perda

Da mesma maneira que a emoção, quando bem compreendida e controlada, é instrumental para julgar riscos ou perigos, ela também é importante para avaliarmos nossos níveis de intimidade e comprometimento ou amizade para com os outros. Por exemplo, se uma pessoa é sempre solícita e gentil conosco, então, devemos retribuir com a mesma moeda, além de, paralelamente, buscarmos saber se ela o faz de maneira sincera. Em relação ao comportamento, a racionalidade é sinônimo de reciprocidade, porque agimos de acordo com que somos tratados, percebendo fatos ou verdades dessas interações e sendo justos a partir deles. A razão é sempre a precisão sobre o que é percebido e sentido, e, por isso, elementar para a prática da justiça proporcional.

Em situações de perda de pessoas ou seres queridos, a emoção, mais uma vez, nos guia para a resposta mais logicamente apropriada, de, mesmo sem a sentirmos intensamente, buscarmos ter respeito, quando uma vida conhecida e/ou quista se apaga para sempre. E, no máximo, de ficarmos de luto pelo que se perdeu, mantendo acesas as boas lembranças, a memória que o finado deixou.

Esses exemplos nos mostram que não existe uma dicotomia implicitamente absoluta entre razão e emoção tal como parece indicar a frase do início do texto, se o pensamento e a ação racionais dependem basicamente da emoção mais adequada ou lógica à situação para que possam ser plenamente desenvolvidos.

Sem a emoção mais condizente, eu não teria medo numa situação de risco de vida, estranhamento e raiva em uma relação de abuso, carinho recíproco em uma relação de amizade e nem respeito e/ou lamento profundo em uma situação de perda.

O mais certo, portanto, não seria "menos emoção, mais razão" e sim "primeiro a emoção mais adequada, na dose certa e, então, mais razão".