A portela do cano
Eu era um menino de quatro, cinco anos de idade. Mas sentindo já por vezes o peso da vida, no meu espírito de pequenino, ia assim em busca da paz, para algum consolo obter. Então nas tardes de Outono, ia em busca da paz, em lindos caminhos, que me transportavam aos locais que minha alma me pedia, para que eu fosse. Sim! Porque as crianças, também choram como os homens que nunca foram meninos, choram quando são homens. Eu só queria ser um pouco mais amado e dos outros ouvir dizer "Vem junto de mim lindo menino, eu gosto de ti" Mas eu não ouvia isso, ouvia antes " O menino é feio, faz coisas feias... Eu não gosto de ti... Isso não se faz" poucas vezes ouvi dizer " Olha que coisa, linda que tu fizeste, Eu gosto do que tu fizeste!... " Eu ia pela linda serra de Monchique, ouvindo o cântico dos merlos e sentindo o aroma dos verdes eucaliptos e pinheiros, que tanto consolavam a alma da triste criança que ali estava. Mas os passarinhos e os coelhos que fugiam à minha frente, me diziam, "Nós somos os teus amigos e estamos brincando contigo," Logo me vinha o pensamento, " Pobres de vós e pobre de mim! A mim não sei o que me espera, a vós talvez serdes apanhados por um caçador ou pelas ratoeiras de meus irmãos... " Ouvia ainda o correr manso das águas na ribeira, que com cordialidade me saudavam. Às vezes enquanto ia andando, apanhava pinhas e sentava-me numa pedra e partia os pinhões, que com satisfação comia. Por vezes debaixo dos sobreiros de Monchique, sentia algum frio, que a sombra fazia. Mas logo me levantava, e prosseguia o meu passeio de libertação. O meu alvo era a casa da minha avó, que era vovó emprestrada, pois era madrasta de minha mãe. Com ela sentia-me no paraíso. Por isso saia do Vale do Linho, onde morava e vinha à casa de minha avó, na Portela do Cano. Mas a Portela do Cano para mim era vida. Até as oliveiras me saudavam e os raios de sol me queimavam com delicadeza. Era alegre ver as uvas nas parreiras, das quais eu sempre tirava um bago e comia.
As galinhas no galinheiro presas eram lindas e o galo cantava. No céu viam-se os aviões que iam deixando um rasto de fumo, que me fazia lembrar as riscas das mantas, que na cama me tapavam. O porco no pocilgo grunhia. Mas então, ouvia a minha avó gritar com o marido muito zangada. Era o meu avô:
- Pois eu já sei! Dela é que tu gostavas! Mas hoje quem tu tens é a mim...!
- Pois tenho! Mas vou amar ela para sempre!
- Pois é! Os mortos nao fazem o serviço! Eu conto é com os vivos!
- E se estavas bem com a morta, porque me fostes buscar?
Foi assim que saiu à rua e me viu chegar.
- Olhem quem vem aqui!?
- Sou eu avó...!
-Este velho não pára de me inquietar!
Mas era com a avó Rosa que eu queria falar. Eu sabia que ele não gostava que ela fizesse os bolinhos para mim e para os meus irmãos. Por isso não gostava nada dele. Depois contava-se que ele uma vez lhe bateu empurrou a porta contra a parede, onde ela estava atrás . Ele era chamado de velho Arraxa. Minha avó disse-me: -Mas o meu menino vem ver a avó e está tanto calor! Vamos buscar água fresca à fonte do tanque. É água que vem da mina e vem fresca. Vamos fazer uma limonada, sem que o velho saiba disso. Ele está na cama. Não precisa saber!...
- Vamsos pois então!
Iamos para o tanque das flores várias. Uma bica de água corria para o tanque calmamente. Onde muitas rãs e uma cobra de água nadavam. As águas que estavam no tanque, eram cobertas por lindos limos verdes onde as rãs descansavam, depois de nadar. Um cocharro de cortiça era por nós usado para apanharmos água e bebermos por ele. Eu me sentia muito feliz junto daquela senhora que me amava como se eu fosse seu neto de verdade. Vinhamos para casa e ela me dava sempre alguma guloseima, que eu comia, acompanhando com o copo de limonada, que já tinha na mão. Passava as tardes com ela... Por vezes íamos soltar a ovelha que ela tinha,
para nas pastagem a pôr, e iamos comer uvas brancas.... E por fim eu voltava a casa onde às vezes minha mãe não estava, pois andava em cima das sobreiras a partir ramos de lenha para fazer o lume, com que fazia o jantar. O Jantar a maior parte das vezes era papas de milho!