Relação entre ética e religião

Como as experiências religiosas podem contribuir para a vivência ética?

As religiões oferecem, para além de um conjunto de dogmas sobre a origem e o funcionamento do mundo, uma série de regras de conduta, ou seja, uma série de preceitos éticos. Além disso, um dos principais fundamentos das religiões tem a ver com a alteridade, como analisou Levinas em relação ao judaísmo. Entre os pilares de diversas religiões, estão a justiça, a verdade e o amor, como disse o entrevistado Israel Evangelista dos Santos (um nome ecumênico!). Com base nisso, creio que podemos dizer que as experiências religiosas, quando procuram vivenciar esses pilares, podem sim contribuir para a vivência ética.

Quando se busca a justiça (tanto a justiça social em sentido amplo, quanto a justiça nos pequenos conflitos cotidianos), esse é um movimento em direção ao reconhecimento do Outro, de buscar o que é bom e direito para além de si mesmo, para o Outro, para a coletividade.

Quando se busca a verdade, esse é um movimento de esclarecer o que realmente é, o que realmente aconteceu, de modo a manter saudáveis (e não "estragar") as relações de confiança entre as pessoas, entre si e o Outro, de manter esse frágil laço da confiança, que é base para a vida com o Outro.

Quando se busca o amor (tanto o amor à Humanidade, quanto o amor ao Outro nas relações cotidianas), esse é, talvez, o principal movimento em direção ao Outro, ao seu reconhecimento, ao seu acolhimento, ao colocar-se no lugar do Outro, no sentido da Hospitalidade atribuída por Levinas ao feminino, mas que é (e deve ser) próprio de todas as pessoas.

Dessa forma,considerando esses pilares como concepções "de fundo" acerca da vida, do universo e tudo mais :-), creio que os ensinamentos das religiões, que estatuem princípios e valores que orientam as pessoas e suas comunidades, quando são baseados na justiça, verdade e amor, as vivências religiosas podem sim contribuir para a vivência ética, pois ajudam a formar o caráter e a boa índole de cada pessoa daquela comunidade religiosa.

Basta ser religioso para ser ético?

Creio que não basta ser religioso para ser ético, por diversas razões.

Apesar de as religiões estabelecerem princípios e valores, além de regras de conduta, mandamentos e proibições, nem sempre elas explicam ou disseminam as explicações sobre o porquê de cada regra. Dessa forma, uma pessoa que segue a religião pode talvez segui-la somente por "medo do castigo eterno", o que não configura, de maneira nenhuma, um comportamento ético, mas tão somente uma relação negocial de "troca de favores": eu não cometo transgressões às regras, então eu não sofro o tal castigo sobrenatural.

Uma pessoa religiosa, que segue as regras, pode não ser ética se essas mesmas regras são anti-éticas, como, por exemplo, nas práticas de exclusão e discriminação em relação às pessoas de fora daquela religião, chegando ao extremo das lutas entre israelenses e palestinos (que têm outras causas, políticas e econômicas envolvidas, mas que são "justificadas" pela religião). Diversos exemplos dessas discriminações foram citados no vídeo do professor Renato, especialmente as proibições de relações de casamento entre judeus e "góis", católicos e "protestantes", cristãos e "pagãos", muçulmanos e "infiéis", ilustrado pela trama da novela da Jade.

Uma pessoa religiosa pode ser anti-ética, por seguir uma moral diferente daquela da sua religião. Como disse um entrevistado, há cristãos bons e maus, muçulmanos bons e maus, pessoas boas e más seguindo qualquer religião.

Além disso, vale dizer que as pessoas não-religiosas podem ser éticas, e muitas o são, por seguirem convicções e princípios que formam seu caráter e sua boa índole, e que não têm origem em uma determinada religião. Esses princípios podem ser provenientes tanto de uma mistura de preceitos de religiões diferentes, quanto uma construção filosófica particular completamente independente de religiões. Os pilares das religiões, justiça, verdade, amor, também são pilares de diversas correntes filosóficas que investiga(ra)m os fundamentos do bem-viver para a construção de uma ética da sociedade.