Meu isolamento social de sempre
Sábado e domingo passados eu fui caminhar, de noitinha. No sábado, na volta, uma menina negra olhou pra mim e cochichou consigo
"Cruz e credo!".
Será que eu estava parecendo um morto vivo?? Ou seria o suor excessivo na gola da minha camisa?? Eu sei que eu ouvi isso e segui meu rumo.
Aí, no domingo, também na volta, estava passando numa rua do centro da cidadezinha onde existo, vi um rapaz, não sei se, sem camisa ou com aquela camiseta bem fina, de corpo moreno e torneado. Olhei, mas sem qualquer intenção ou comportamento revelador, o que fazemos na maior parte do tempo em que, por fora, externalizamos indiferença no olhar. Eu só sei que ouvi outro rapaz, dentro do carro, comentar algo em voz baixa e ele responder "Sai fora!".
Fiquei me perguntando o que será que as pessoas dessa cidade devem pensar sobre mim. Como será que eu devo ser caricaturizado nas redes de fofocas?? Será que o meu gaydar é tão visível assim??
Em outras ocasiões, eu teria ficado muito chateado, afinal, eu fui vítima de homofobia, desumanizado, tratado como um ponto de referência para o escárnio gratuito. Mas, meu estado de espírito estava um pouco diferente naquele momento. É certo que, em ambas as situações, eu fui desrespeitado. Eu sei que é esperado que crianças e jovens de inteligência medíocre não consigam conter seus instintos mais primitivos. Eu mesmo, quando era criança, já cometi gafes das quais me arrependo. Porque tem seres humanos que evoluem do nível infantil.
Vivemos hoje em um mundo em que a sinceridade, além de ser confundida com honestidade, também é definida como uma virtude incriticável, por se referir àquele que diz o que "pensa", ou melhor, o que sente, e que pode ser ainda pior, " aquele que diz 'A verdade' ". Se estamos falando de verdades subjetivas, que são nossas sensações reativas aos padrões que interagimos constantemente, ok. Mas isso, todos os seres vivos sentem. O que nos difere deles é que podemos expandir nossa compreensão objetiva, das coisas como são e não de acordo com nossas impressões sobre elas, e isso é grandioso, apesar de sua simplicidade, afinal, significa que estamos "apenas" expandindo nosso entendimento de mundo, da única realidade em que habitamos. Voltando ao tópico principal do texto, pra mim, ser discriminado quando ando nas ruas não é incomum. Poderia estimar que existe "30%" de chances de sofrer algum tipo de preconceito e de que em 99% das vezes tenha como autor alguém que não conheço ou que não me conhece. Eu já não tenho mais grandes ilusões de que se vivesse em outro país, Argentina EUA ou Islândia, por exemplo, seria melhor tratado do que sou aqui.
Talvez na Islândia, mas mesmo lá, sempre tem esses "elos perdidos" que teimamos em considerar como parte da mesma espécie. Sim, somos iguais em essência e isso é indiscutível, inescapável. Mas, existem muitos humanos que acreditam mais nas nossas diferenças, pois desprezam o que temos de igual, que nos une, e nós não podemos ficar alheios a eles e ao mal que têm causado.
Aqui no Brasil, então, nem se fala.
Vivemos em uma selva, e não me refiro pejorativamente aos índios, pois acredito que sejam, em média, bem mais educados que o típico brasileiro. Ser excessivamente extrovertido, sem noção de espaço e, portanto, de respeito, especialmente se você for homem hétero, é a regra e não a exceção. Eu já escrevi tantas vezes que essa é uma das principais razões para o subdesenvolvimento do país, por ser um padrão tão significativo...
Ser racional nunca foi o normal do brasileiro.
Se fosse, eu sei que o nível de hostilidade para comigo seria reduzida a bem menos que ~30% bem como para qualquer um, que assim como eu, busca respeitar quem não conhece e esbarra na rua por casualidade. Eu poderia relatar outras ocasiões em que fui destratado por criaturas humanas que nunca tinha visto na vida.
Tal como um planeta sem atmosfera, minha consciência muito ativa ao que acontece no meu redor e que me afeta, tem como efeito colateral essa sensibilidade mais aflorada que não admite desrespeitos, e em um país primitivo, de uma maioria de limitados irracionais, é praticamente como ter nascido no meu inferno astral. O respeito é o básico das relações humanas mas aqui pedir bom senso e receber respostas passionais é o mais provável.
Por eu ter um interior de personalidade que, ao longo do tempo, foi ganhando mais e mais camadas, além de ter me libertado da doutrinação de algumas ideologias conservadoras, caracteristicamente tóxicas, e passado a buscar pela felicidade de viver seguindo por meus próprios caminhos, eu ainda tenho conseguido sobreviver neste limbo sem um catatau de máculas profundas. Tem sido desde sempre que eu nunca consegui aceitar sofrer desrespeitos sem ter provocado e essa constância de desavenças não-solicitadas tem resultado em meu isolamento parcial deste mundo. Com a pandemia da Covid-19, enquanto que para muitos é um suplício ficar dentro de casa, para mim tem sido minha maneira de sobreviver, desde a um bom tempo, a um mundo frequentemente hostil e cretino.