Reexplicando a relação entre autocentrismo perceptivo "animal" e "religião"/mitologia
Fiz um texto em que tentei explicar minha teoria sobre a essência da prática religiosa ou mitológica, pela metáfora do marca-passo. Eu tentei e acho que não fui bem sucedido, mesmo depois de umas melhorias aqui e acolá. Aqui, volto a esse projeto e busco pontua-la rapidamente...
Metáfora do copo
Pense nos seres vivos não-humanos e em suas capacidades de compreensão da realidade como um copo cheio d'água, sem transbordar, em que não existe a percepção de "horizontes" ou "aléns"; não existe a ideia de vazio se já estão preenchidos por seus ''afazeres de adaptação''.
Agora, pense na autoconsciência humana como um copo transbordando de água, em que essa submissão instintiva ao ciclo adaptativo de vida não é mais suficiente. Assim, cada gota que cai para fora do copo equivale ao pensamento que vai além da dimensão primária de adaptação, além da competição, da reprodução e da cooperação, do tempo presente, da própria sobrevivência... que também quer saber do que são feitas as estrelas, por que pensamos, de onde viemos, para onde vamos. No entanto, ao longo da história evolutiva humana, um mecanismo que visa conter essa expansão, diga-se, natural de nossa compreensão ou consciência, vai se tornando central na cultura, resultando no aumento desproporcional de pessoas que apresentam necessidade intrínseca de contenção de sua curiosidade e percepção, regredindo para um nível mais básico de compreensão e vivência da realidade. Esse mecanismo se chama "religião", ainda que eu sempre prefira chamá-lo de mitologia. Então, ao invés de uma cascata relativamente constante de pensamentos curiosos sobre a realidade objetiva, ocorre a construção (resposta auto-imune) de uma "represa" na mente que contém esse aguaceiro de questionamentos, dúvidas, incertezas, certezas inconvenientes/angústias.
Todos os seres vivos não-humanos vivem suas perspectivas de realidade como se fossem representações absolutas e fidedignas da mesma. Portanto, não existe, para eles, qualquer necessidade de preenchimento ou de contenção daquilo que já tomam como preenchido ou seguro, suas experiências existenciais. Em contraste, o ser humano é aquele que está mais aberto para a confrontação ou interação com a realidade objetiva, isto é, que está menos sujeito à submissão de seus instintos, de sua subjetividade ou versão pré-constituída de realidade,que sente uma necessidade saber mais... Claro, uns mais que outros, porque, mais perceptivamente subjetivo é o ser humano, menos racional ele será (que, até certo ponto, independe de potencial cognitivo quantitativo).
Como eu sou bom em metáfora, lá vai mais uma.
A consciência do ser vivo não-humano como uma porta encostada em que apenas alguns raios de sol entram. E a autoconsciência do ser humano como uma porta bem mais aberta e frouxa, podendo ser mais fechada ou totalmente escancarada para que o sol penetre mais profundo. O filósofo é aquele que escancara a porta. O mitólogo é aquele que mais a encosta.
Os seres vivos não-humanos são todos autocêntricos, interessados especialmente em seus modos de vida ou perspectivas de realidade. E a mitologia é a representação artística deste mesmo autocentrismo, em que o universo passa a girar em torno do ser humano e com direito até a um deus-criador como "pai".
Formigas, felinos, elefantes, insetos, enfim... todos, experimentam seus modos de existência como se estivessem no centro da realidade. A religião ou mitologia, ao invés de puxar o ser humano para uma consciência de dimensão mais elevada, existencial e independente das obrigações adaptativas, parece fazer o oposto, reforçando aquilo que também temos em comum com os outros seres vivos, menos inteligentes, o autocentrismo, que para eles é natural e que para nós têm sido esse artifício com grandes implicações morais e evolutivas, em sua grande maioria, negativas, se, ao invés de abraçarmos nosso caminho evolutivo, por ela, estamos retrocedendo ou contendo a maximização de nosso potencial.