O EU ARGUMENTATIVO

A língua é um fato social, segundo Saussure. Ou seja, ela se desenvolve no âmbito social de relações intersubjetivas. Para que possamos aprendê-la necessitamos nos assegurar na convivência em sociedade. Começo com este conceito básico, bem básico, da linguística estruturalista saussuriana por um único motivo: defender a dissociação do NÓS COLETIVO nos discursos que devem ser do EU INDIVIDUAL. Me refiro, pois, ao discurso "argumentativo"? das redações pedidas em seletivas.

Pois bem. A língua é um fenômeno social. Isso é inquestionável (Me refiro ao conceito saussuriano. Entendo língua como dispositivo inato, como Chomsky. A sociedade sendo, pois, o apito para o funcionamento da língua. Não usarei o termo em inglês). Não é possível aprender uma língua isolado de seres falantes de tal. Porém, meus caros, precisamos nos assegurar no coletivo para argumentar? Vejamos. Por um lado, sim, é impossível que não sejamos influenciados pelo coletivo em nossas posições utópicas acerca do mundo. Aliás, somos fundamentalmente ensinados em sociedade. E, claro, esses ensinamentos, sejam religiosos, filosóficos, quânticos, métricos, morais, éticos, familiares, enfim, de âmbito familiar e didáticos, estão regidos pelo coletivo. Dado que o conhecimento se dá no coletivo. Ou tu achas que o fogo chegou ao conceito de fogo porque uma única pessoa o assim decidiu? Não. Houve consenso. Houve testes de hipóteses - criação de um imaginário coletivo. Por outro lado, contudo, NÃO. Não precisamos nos assegurar em argumentos alheios sempre. Somos seres racionais e somos capazes de refletir acerca de algo para convencer alguém - Objetivo das seletivas. Lembre-se da pessoa do fogo. Obviamente, ela refletiu sobre o fenômeno novo. Criou sua hipótese e foi argumentar e chegar a um consenso com seu interlocutor. Criou seu imaginário e conseguiu um número razoável de aceitação sobre sua hipótese que prontamente se disseminou.

O que quero dizer com isso? Falar sobre redação. Pode parecer ilógico o dito anteriormente. Mas, adiante! Entenderás no decorrer do texto.

As redações constituem um gênero textual. Conceito que se define como uma construção/aceitação social. São diversas formas de organização de conteúdo na qual conseguimos identificar a que se referem. O dinheiro é um gênero textual? Sim, é. Por quê ? Porque ao achá-lo no chão você vai ver a cor azul dos 100 reais, vai ler as informações de valor que este dinheiro possui, entendimento este que é um construto social e damos valor, e você não vai hesitar em dizer que não é dinheiro, embora possa ser falso. A mesma coisa é você achar uma carta de amor perdida lacrada. Pelo formato você saberá que é uma carta. Tá, nem tudo é possível deduzir o gênero textual, posto que não conhecemos, temos contato com. Em resumo, o gênero textual é uma forma que identificamos por meio da linguagem, forma e por meio do imaginário (relações intersubjetivas) social.

São gêneros textuais: Emelho, faicibuque, uatisape (nossa língua é a portuguesa e, claro, brasileira), cartas, tinder, contos, fábulas, piadas, jornais, poemas, crônicas, agenda, dinheiro, reportagens, notícias, cartas, redações, etc. Cada gênero textual tem sua tipologia, a qual se refere ao MODO em que dizemos as coisas aos nossos interlocutores. É uma ordem dentro de uma carta? É uma receita de remédio MANDANO você tomar um remédio tal hora? (tipo injuntivo). É a narração de um fato, acontecimento ficcional? (tipo narrativo). É um texto que tenta te convencer, usa da dialética, apresenta dados para te convencer? (tipo argumentativo) É um artigo científico que aponta dados, expõe um resultado de uma pesquisa?Conceitos? (tipo expositivo). Apresentados estes conceitos, adentramos aos pedidos requeridos por bancas.

"Depois de lido o texto motivador, escreva um texto dissertativo- argumentativo", dizem todas. E em cima disso os cursinhos trabalham. Ensinar o aluno a usar "mas, mais, porém, entretanto, portanto" (já clichê), a invocar o MA com vocabulário extravagante ( não sei do que adianta palavra bonita sem muitas vezes sequer saber o sentido, tampouco estar adequada ao texto ou acrescentar algo. Melhor ser simples, usar ACREDITO QUE a usar coisas sem sentido). Enfim, a língua coletiva e o argumento coletivo.

Não é a língua em si que faz a ciência. Mas sim os argumentos, os dados! E não é a marcação do EU no texto que vai invalidar o conteúdo, os fatos. Na antropologia mesmo se usa os verbos na 1 pessoa do singular.

Mas não, usar ACREDITO QUE é um tiro no pé nos textos para seletivas. Palhaçada! Como vamos evoluir não tendo NOSSA voz, nossos pensamentos autênticos? Claro, é impossível ter nossos pensamentos sem a influência de outras pessoas - somos seres que vivemos em sociedade e, portanto, nos asseguramos nos pensamentos existentes.

Mas estar firmado em outros autores não significa plágio. Poderia dizer que é uma versão do autor melhorada, reduzida, além... Porém, querem que seja algo como ACHAMOS. Colocando todo mundo em uma coisa que VOCÊ está afirmando. E se você entendeu Sócrates errado e afirma uma coisa que não é bem isso? É até ousadia, geraria processo! Ah, deve, na verdade, usar a impessoalidade "se", "acredita-se", "argumenta-se". Qual a diferença de "MOS" pra "se"? Nenhuma, né?. Ora, os dois quer dizer a mesma coisa: "pessoas acreditam nisso, afirmam isso".

Não seria o momento de termos nossas ideias? Tantos livros que já li com EU e não tirou sua veracidade, sua argumentação... Sejamos francos, temos mais argumentos em muitas coisas quando nós mesmos tomamos o início da ideia, falar por muitos é complexo, perde tempo.

Ai de quem usar EU em redações. Os cursinhos ganham horrores todos os anos para dizerem as mesmas tolices de sempre. Use operadores argumentativos, use impessoalidade. Use coletividade. Um cacete! O aluno já está cansado de se servir da coletividade para tirar 500 pontos na redação pagando 700 reais por mês a cursinhos.

O SABEMOS QUE, SABE-SE tem dado certo? Diga-me. Quantos os usam e tiram nota medíocre. E não quero dizer que o escritor seja incapaz. Ele só não está sendo autor do seu texto, só não está se expressando como deveria, como se sentiria confortável, como diria a verdade. E eu não estou apelando contra o conhecimento científico. Não estou indo contra a linguagem dita formal, só afirmo que as redações seriam melhor redigidas se não houvesse essa coação desnecessária contra os candidatos. Estes não se sentem autores, não se sentem livres. Peça a um estudante escrever uma redação usando ACHO QUE e um ACHAMOS, ACHA-SE. Tente. Veja o resultado. Já adianto, terá uma diferença de conteúdo enorme.

O aluno deve testar o seu EU e não se responsabilizar pelo o que pensa o NÓS, o OUTRO. Temos, sim, que sermos justos. Não desconsiderar os direitos humanos fundamentais. Não sermos medíocres. Porém, devemos ser livres para nos expressarmos com o nosso EU. Argumentar com um pensamento mais leve. Sobre as propostas que tenho EU para o mundo. As propostas PARA O coletivo. O candidato deve usar o eu a favor do coletivo, sim. Mas não usar o coletivo em favor do EU, na redação, claro. Cada pessoa pensa diferente. Por que, então, devo pensar por ele? Injustiça para ingressar em um curso, que veja só, sou EU QUEM IRÁ ENTRAR. Contraditório.

Voltemos ao tiozinho do fogo. Ele decidiu que fogo era fogo sozinho? Ou disse "segundo nós, isso queima e faz calor" ? Não. Ele testou sua hipótese. Mostrou aos demais e chegaram a um consenso quanto ao nome, se queimava, se servia para aquecer, para assar comida, etc. Claro que tiveram alguns que disseram que "não", "isso é invenção comunista. Isso não queima", mesmo tendo se queimado. Como os terraplanistas. Né.

Ou seja, o EU se sobressai quando estou propondo, quando quero convencer alguém sobre a funcionalidade ou irregularidade de algo. Nada mais justo pensar por você, e não com autoria dos demais. Assuma o seu EU. Escreva por você. Escreva os seus pensamentos. Seja você. Expresse o que você pensa sobre o mundo. Se revolucione, vá contra esse sistema do eu coletivo da escrita. Só seja coletivo quando as propostas que tiver, que sejam boas, claro, beneficiem a todos nós. Essas devem ser coletivas. Mas o que você pensa é por você para um conjunto. Porém, eu ressalto, não se precipite e já o faça de imediato. Comece a questionar os responsáveis. Entre em debate. Toda revolução acontece gradualmente. As linguísticas também. Ou tu achas que se usa VOCÊ hoje por que uma única pessoa decidiu usá-lo? (Claro, a língua varia com o tempo. Eu sei que não é uma decisão, é uma ação da língua, estou sendo simplista para melhor compreensão). Ou que usa-se TU VAI e não TU VAS por que se decidiu? Não. Com o uso, tem que ser aceito. Me refiro a fatos linguísticos. Não extrapole o limite do conceito.

MATEUS BARROS
Enviado por MATEUS BARROS em 14/04/2020
Reeditado em 08/06/2020
Código do texto: T6917252
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