O EREMITA E OS PARADOXOS
Quando ouço falar em ‘isolamento social’, logo vem a figura do eremita, e a prática do eremitismo, independente dos motivos, inunda a minha mente de egoísmo. A individualidade colocada em sua forma máxima, a incredulidade da vida em grupo, o antissocialismo, o asco pela sociedade. Me arremete, de imediato, ao cume das montanhas, aos confins da Terra, à terra isolada, ao deserto, aos quarenta dias e quarenta noites de peregrinação, à tentativa da cura da alma pelo sofrimento, pela solidão, pelo silêncio pleno. A purificação de sentimentos, mágoas, futilidades. O ‘eu’ e o ‘ego’ em um só espaço, olhando em uma mesma direção, alma e corpo juntos sem obstáculos. O eremita não transmite dores, porque ele as aprisiona em si mesmo; ele não demonstra fraquezas, pois não há julgamentos; ele não demonstra amor, pois não há mutualidades; ele não é solidário, nem tão pouco orgulhoso. Ele é para si, em si, somente.
Quando ouço falar em ‘isolamento social’, hoje, me vem os paradoxos: o dividir para multiplicar, o distanciar para proteger, a ausência de carinho como prova de amor - um amor transcendente, verdadeiro, um amor platônico. Este tipo de amor, na minha análise sucinta, só poderia existir entre seres estruturalmente diferentes, como homens e deuses. Seres que não se tem acesso físico, mas são regados de uma cumplicidade além da compreensão. O amar sem necessidades de retorno, a caridade em seu estado genuíno, a pura demonstração de solidariedade. Somos indivíduos, portanto somos seres egoístas, e nunca, em toda a história, foi tão exigido de nós a nossa essência como humanos. O se proteger para proteger quem a gente gosta, quem está próximo, proteger a vida em nosso redor. Em tempos próximos, esta seria uma atitude eremita. Em tempos próximos, o coletivo não se misturava com a individualidade, se via claramente um e outro. Hoje, a individualidade é necessária para manter o coletivo, e o momento está proporcionando uma oportunidade tamanha para que cada um, independente do tamanho e lugar, possa fazer algo grandioso em favor da vida.
Eu não sou de profecias, e portanto, os destinos são frutos produzidos através das sementes que foram jogadas na terra na construção da vida, mas acredito que está havendo uma oportunidade única de ajudar o outro sem conhece-lo, nem mesmo vê-lo.