Olhar equivocado !- série Aprendiz -I
Nas lutas habituais, não exija a educação do companheiro, demonstre a sua.
Era o horário do café da manhã, momento em que muitos dos hóspedes se conheciam. Em uma destas frações de segundo, Edgar notou a mulher sentada à uma mesa próxima do buffet de pães, a observar quase que discretamente os seus pés. Aquilo o enfureceu imediatamente, como as pessoas poderiam ser tão fúteis? Julgadoras da personalidade alheia a partir da qualidade de seu calçado? Controlou o instinto primitivo de questionar a desconhecida sobre a existência de algo errado. Mas não suprimiu a bufada e leve balançar de cabeça.
No fundo, o seu incômodo se originou ainda em casa quando o filho o questionou sobre a necessidade de levar sapato já tão desgastado para a viagem. Ele pouco se importou, afinal sentia conforto como velho sapatênis. No entanto o olhar da mulher provocou sua ira, como que estivesse a dar razão ao jovem tão distante naquele momento.
Logo após o almoço haveria um passeio ofertado pelo hotel, a proposta era apresentar a vida rural, e história da região desde a época da colonização. Para sua total decepção, o primeiro rosto que notou foi o da “mulher do café”. Ela abaixou o olhar, como que igualmente incomodada. Sentaram-se distantes no micro-ônibus e o passeio transcorreu normalmente. Conheceram o comércio local, e deslumbraram-se com a vista da cidade a partir de um mirante. Ao visitarem um curral, Edgar permaneceu um tempo além dos demais admirando a força de um Touro Belga Azul, um misto de beleza e terror. Questionou-se sobre a consciência do animal, que era contido por uma frágil corda. Pausa suficiente para o bovino derramar pesadas fezes sobre o solo, no segundo “lote” o atrito com o volume já depositado no chão, provocou espirros que mancharam sua bermuda jeans e pernas. Afastou-se e providenciou uma rápida limpeza para não se distanciar do grupo.
Retornando ao automóvel, o condutor notou marcas em suas pernas, ofereceu uma folha de jornal para ajudar, mas as fezes já estavam secas e não houve resultado. Neste instante a senhora (aquela), lhe estendeu um pacote de lenços umedecidos, que removeram os espirros e o consequente mau cheiro. Agradecido devolveu, sentindo-se um pouco envergonhado ao notar o contraste da gentileza e a sua irritação no primeiro contato.
O que Edgar nunca saberia, é que a Fátima observou, na realidade, as varizes que recobriam a perna do homem, pois ela mesma se empenhava em superar sua resistência em usar calças ou bermudas que evidenciariam cicatrizes de uma cirurgia corretiva. O despojamento do homem servira como incentivo para ela.
O que Fátima nunca saberia é que Edgar a partir daquele breve contato gentil, passou a se policiar com sua instantânea grosseria, afinal nem tudo é o que, nós genialmente, achamos que é!
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Ao escrevermos sobre o tema proposto observa-se mais detidamente os fatos e acontecimentos que ocorrem em nossa volta, questionando a forma como o tema contribui para uma mudança de sentimento.