A PRISÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA E A ORDEM DAS ALEGAÇÕES FINAIS ENTRE DELATORES E DELATADOS

"Pau que bate em Chico (não) bate em Francisco!" (dito popular).

Em uma primeira análise, parece que uma coisa nada tem a ver com a outra, eis que uma se refere ao momento de se iniciar o cumprimento da pena, ao passo que a outra se refere ao exercício pleno do contraditório e ampla defesa do réu.

Todavia, existe um liame entre os dois institutos que se remete à busca da verdade real ou da verdade formal.

Ocorre que a nossa Constituição Federal blindou o cidadão com o princípio da presunção de inocência em seu sentido material, ou seja o mais amplo possível, conforme art. 5º, LVII: "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".

Nesse diapasão, o princípio da presunção de inocência, sobretudo, é garantia de defesa do cidadão contra a arbitrariedade do Estado e é fundamento do sistema processual penal acusatório que permite ao acusado a ampla defesa e o contraditório.

Seguindo por esse vértice, enquanto houver recurso do réu, a sentença ou o acórdão, ainda que condenatórios, ainda que proferida por um órgão colegiado (segunda instância), ainda que proferidos por unanimidade pelos juízes e desembargadores, não transita em julgado!

Por outro lado, a punição é necessária para assegurar a ordem democrática, a harmonia social e a própria existência do Estado enquanto poder constituído e legítimo detentor do direito de punir.

Ao estabelecer formalmente a exigência do “trânsito em julgado” para que o Estado exerça o direito de punir, a Constituição Federal o faz em cláusula pétrea, ou seja, em norma imutável, contra a qual não poderá ocorrer sequer proposta de modificação, por força do art. 60, § 4º, IV, da própria Constituição Federal.

Contudo, como se pode considerar presumidamente inocente um réu que, exercendo amplamente a sua defesa e produzindo todas as provas possíveis, fora condenado em primeira e segunda instância por juízes imparciais?

Aqui esta a pedra de toque que une os dois institutos, aquela que define o momento de cumprimento da pena e a ordem de apresentação das alegações finais entre delatores e delatados, pois, o princípio norteador do processo penal acusatório deve sempre primar pela oportunidade ao contraditório, sob pena de se ferir tanto a imparcialidade do juiz quanto a legalidade do processo.

Assim se manifesta a norma excelsa, no art. 5º, LV, da CF/88:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

E nesse carrossel de cavalinhos tem transitado o STF, ora com foco na verdade formal ou processual e admitindo a prisão do réu a partir da condenação em segunda instância, ora focando a letra Constitucional e na verdade material e exigindo o trânsito em jugado da sentença penal condenatória.

Ocorre que, o nosso sistema processual prevê como garantia o duplo grau de jurisdição, apenas até esse ponto é possível discutir-se os elementos de direito material, ou seja os fatos e as provas; a partir daí restam nas Cortes superiores discussões quanto a forma de aplicação das leis (ordinárias ou constitucionais) e unificação de jurisprudências, não cabendo mais, salvo em raras exceções, investigar a culpa ou inocência do réu.

Lado outro, não consta no Código Penal, a exigência de que os réus delatores apresentem suas alegações finais (último momento de participação no processo antes da sentença) antes dos delatados, nas palavras precisas do Ministro Luiz Edson Fachin:

"imposição de ordem de colheita das argumentações de cada defesa, tampouco potencializou para esse escopo eventual adoção ou não de postura colaborativa". Segundo ele, isso deveria ter sido feito na Reforma Processual Penal de 2008, e agora não deve o "judiciário legislar, e não deve fazê-lo em hipótese alguma".

Apesar disso, por maioria, o STF decidiu anular a sentença proferida pelo então Juiz Federal Sérgio Moro, que no âmbito da Operação Lava Jato havia condenado o ex-gerente da Petrobrás Márcio de Almeida Ferreira, devendo os autos retornarem para a instância inicial para abertura de novo prazo para alegações finais e para nova sentença, tendo por consequência a anulação dos atos processuais posteriores e a libertação do réu, porquanto desconstituiu a sentença e o acórdão que a decretou.

De braço dado a ela, com certeza, seguirão outros pedidos similares, inclusive a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Em todo caso, o que se emana da suprema corte brasileira é que esta primará doravante pela observância da verdade material, exaurindo-se todos os recurso possíveis até o trânsito em julgado da sentença, bem como a observação extremada do contraditório e da ampla defesa, ainda que não exista lei processual específica que obrigue ao juiz.

A contrario senso, as litigâncias judiciais que, percorrendo os labirintos jurisdicionais, conseguem chegar às Cortes Superiores são, grosso modo, aquelas manejadas por grandes escritórios de advocacia, servindo a clientes abastados que protraem no tempo a prestação devida à justiça pelos crimes assaz praticados contra o próprio Estado de direito e contra a coletividade.

Por seu turno, o delinquente pé-de-chinelo, cliente da defensoria pública e advocacia dativa gratuita, em que pesem a excelente qualidade técnica dos profissionais e exaustiva dedicação à causa jurídica, continuarão limitadas ao primeiro ou segundo graus de jurisdição.

Kleber Versares
Enviado por Kleber Versares em 27/09/2019
Reeditado em 27/09/2019
Código do texto: T6755429
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