Meu memorial...
Falar de si mesmo é sempre bastante complicado, mesmo em se tratando de questões referentes a trabalho, formação etc. Tentarei expor aqui da forma mais breve e elucidativa possível um pouco de minha trajetória acadêmica e profissional, que não pode ser separada de minha história de vida, das minhas subjetividades e das adversidades que enfrentei e das dificuldades pelas quais passei. Confesso ser de extrema dificuldade para mim tecer tais comentários e reflexões, muito embora constantemente eu esteja realizando este exercício de ponderação acerca de minhas escolhas profissionais, sonhos e projetos, falar sobre isso de uma outra perspectiva, enquanto memorial, destinado a outros leitores, torna-se deveras árduo.
Meu nome completo, Bianca de Moura Wild, filha de Loreni de Moura Wild e Ricardo Wild, retrato fiel do que é ser brasileiro, com sobrenome alemão, supostamente com ascendência judia-alemã, neta de nativos brasileiros, negros africanos, portugueses e espanhóis. Minha mãe, filha de um delegado um tanto quanto mulherengo e beberrão, criada para o lar, casou-se apaixonada com um homem um tanto quanto mimado, desequilibrado, inteligente e engenhoso, contudo, totalmente destemperado, que acabou cedendo ao alcoolismo. Minha mãe com dois filhos, sem experiência profissional, separando-se, viu-se obrigada a trabalhar em “casas de família” para nos sustentar. A partir disso, comecei a trabalhar bem cedo, aos doze anos de idade, tentando atenuar um pouco o sacrifício de minha mãe e ajudar na criação do meu irmão.
Nascida no bairro do Engenho de Dentro, Zona norte da cidade do Rio de Janeiro, estudei em uma escola particular até a sétima série do ensino fundamental, equivalente hoje ao oitavo ano, o conhecido colégio Maranhão, localizado na rua Adolfo Bergamini. Por conta de uma série de problemas de família e financeiros, tive que ser transferida de escola, acabei ficando um ano sem estudar...o que me fez extremamente mal, pois sempre tive fascinação pela escola, tanto que escolhi ser professora. Enquanto estudante, todos os anos era avaliada como umas das melhores ou a melhor aluna da escola, ganhava prêmios de redação, era muito dedicada e gostava bastante de “competir” com os colegas de classe.
Em 1995, fui estudar em uma escola municipal, a mesma em que minha tia por parte de pai lecionava, a escola municipal José Eduardo de Macedo Soares, no bairro do Lins de Vasconcelos. Ali conclui o ensino fundamental e logo depois fomos obrigados a nos mudar para o bairro de Sepetiba, localizado na Zona Oeste da cidade, fato que me deixou muito deprimida e como toda adolescente, revoltada. Fiquei mais um ano sem estudar, contudo, continuava trabalhando entregando panfletos e recepcionando em stands, enfrentava mais de três horas de viagem no famigerado 390, ônibus que fazia o trajeto Sepetiba/Passeio; algumas vezes dormia na casa da minha madrinha Lourdes, no bairro do Méier, mas na maioria das vezes voltava para Sepetiba, praguejando e reclamando muito, devido a distância e por ter me visto obrigada a me afastar de todos os meus referenciais, amigos, escola, raízes, memórias. Passei a nutrir verdadeiro asco pelo bairro de Sepetiba, e os anos foram se passando sem que esse sentimento mudasse.
Após a mudança para o bairro de Sepetiba, passei um ano inteiro sem estudar, em 1997 consegui me matricular no Colégio Estadual Barão do Rio Branco, no primeiro ano do ensino médio. No ano seguinte, precisando trabalhar para ajudar em casa, parei de estudar novamente, lá se foram mais dois anos sem estudar, pois na época era quase impossível trabalhar longe de Sepetiba e conseguir estudar. No ano de 2001 retomei os estudos, no colégio Estadual Oséas Gomes Laranjeiras, e finalmente consegui concluir o ensino médio. Muito feliz e empolgada, com a ajuda de amigos e do meu noivo na época consegui ingressar no Curso de História em uma faculdade particular da zona Oeste, a FEUC, Fundação Educacional Unificada Campo Grandense. E como de forma habitual em minha vida, devido a uma série de problemas, me vi, mais uma vez, obrigada a abandonar meus sonhos, tive que trancar a matrícula, após cursar três períodos.
Mas, a vida é luta aguerrida, e afinal, uma vida sem desafios não vale a pena ser vivida. No ano de 2005, mais madura, e desejando muito retomar meus estudos, procurei a mesma universidade, só que já não desejava mais cursar História, refletindo sobre todas as adversidades ocorridas em minha vida, sobre as questões sociais vigentes no meu então novo bairro, sobre as dificuldades enfrentadas por mim e minha família, sobre os preconceitos e humilhações sofridos por nós, resolvi que seria mais interessante cursar Ciências Sociais e tentar compreender essas questões e quem sabe fazer alguma diferença.
Antes disso, porém, realizando estágio supervisionado em uma escola particular do bairro, o Centro Educacional Rosa Fiorino, em um momento em que eu criticava fervorosamente Sepetiba, um aluna me questionou e perguntou se eu conhecia a história do bairro. E eu respondi que não! Ironizando, a menina, de quem não recordo o nome, trouxe para mim, na outra aula, o livro de Alcebíades Rosa, História de Sepetiba. Agradeci e comecei a ler, com o objetivo de rebater qualquer informação contida ali. No entanto, me surpreendi positivamente e passei a pesquisar a história do bairro e, para minha surpresa e admiração, Alcebíades havia acrescentado dados além dos que corresponderiam à verdade, mas não inventado.
No momento em que cursava a metade do curso de Ciências Sociais, desempregada e precisando trabalhar, participei de um processo seletivo na afamada Fundação Ulisses Guimarães. Era, então, meu objetivo, neste momento, apenas fazer parte do curso e receber uma bolsa, como os outros jovens que ainda cursavam o ensino médio ou fundamental, pois realmente precisava de dinheiro para conseguir me manter na universidade. Entretanto, devido ao meu desempenho na redação aplicada no processo seletivo e na entrevista, a qual julgo importante destacar: sem saber muito bem onde estava critiquei o governador da época para sua própria filha e teci duras críticas sobre o seu governo. Mesmo assim, consegui o cargo de coordenadora regional da Escola de formação política na Fundação Ulisses Guimarães, dos bairros de Sepetiba, Santa Cruz e Urucânia.
Fui muito criticada pelos colegas, pois, afinal eu estava “dentro” do PMDB, me senti culpada, mas precisava do emprego e não posso negar que se tratou de uma experiência importantíssima na minha vida. Tive oportunidade de lecionar, o que eu ainda não havia feito, a não ser em aulas particulares em casa durante um breve período em que estive desempregada, de falar sobre ciência política, de aprender com Marcio Sales Saraiva, César Benjamin, hoje secretário municipal de Cultura, Darc Costa dentre outros. Conheci lugares e pessoas que muito acrescentaram em minha jornada.
Até mesmo teci em minhas aulas de psicologia social um novo conceito, devido a minha situação, o conceito de “prostituição ideológica”, ironizando, durante uma aula, as críticas e indiretas direcionadas a mim pelos meus colegas de turma, me chamando de hipócrita, ironizando todas as vezes em que eu falava algo sobre a situação do país dentre outros momentos, como se eu não tivesse envergadura moral para falar sobre determinados assuntos por estar lecionando/coordenando jovens para a Fundação Ulisses Guimarães. Prostituir-se ideologicamente, é, em minha concepção, nada mais nada menos do que participar de ações, movimentos, proferir discursos etc. contrários ao que você ou outrem acreditam de fato, contrários as suas convicções, a sua ideologia, em contextos específicos, motivados por determinados interesses, em troca de alguma coisa, dinheiro, posição social, favorecimento político etc.
Vale ressaltar, também, que durante o curso de formação política, ocorreu uma prova sobre história do Brasil com mais de 2 mil jovens pertencentes ao grupo da juventude e da escola de formação política, inclusive outros coordenadores de outras regiões da cidade, também cursando ou com o nível superior concluído. Eu realizei a prova e a minha nota foi a maior, 9,5 ou 9,7, não me recordo ao certo, sendo muito elogiada e me sentindo muito feliz, pois queria ser um exemplo para aqueles jovens.
Passei mais um ano na referida função, sendo “desligada” após uma discussão acerca da greve de fome do então governador do Estado, com a qual eu não concordava e acabei realizando algumas críticas que não agradaram aos meus coordenadores. Na verdade, mesmo ficando desempregada, mais uma vez, livrei-me de um fardo, pois estava sofrendo de ansiedade e depressão, tendo enxaqueca e tomando medicamentos fortes. Sentia-me muito pressionada e certas funções que me eram atribuídas, como por exemplo a eliminação de jovens da escola, os quais sendo afastados deixariam de receber a bolsa devido ao número de faltas, me fazia muito mal; pois eu sabia muito bem das dificuldades daqueles jovens, parecidas com as minhas e em algumas situações até piores.
Consegui concluir o curso de Ciências Sociais, em meio a diversos problemas, com a ajuda de grandes amigos. Tudo parece impossível de ser conquistado até que tenhamos feito; e aí, após termos conseguido atingir um objetivo há muito almejado, descobrimos que precisamos alcançar outros, que parecem ainda mais impossíveis do que os primeiros. Decidi então, fazer pós-graduação lato sensu e stricto sensu e um concurso público, o primeiro passo seria estudar para o concurso e em seguida procurar por um curso de pós graduação lato sensu e após concluir seguir com o mestrado e o doutorado, estou caminhando neste sentido desde então.
Finalmente consegui concluir a graduação, tornando-me cientista social. Para o processo de conclusão do curso, desenvolvi e defendi a monografia intitulada “Diversidade sexual no século XXI: respeitando as diferenças, harmonia na diversidade”. Desde então, comecei a escrever textos em blogs e em sites sobre minhas dúvidas e aflições e sobre a minha mais nova obsessão, meu novo interesse: a história do bairro de Sepetiba. Justamente o meu primeiro texto publicado no site Ciranda internacional da comunicação independente, intitulado “A história perdida de Sepetiba”, primeiro no referido site e primeiro sobre o bairro.
O referido texto recebeu um comentário bastante elogioso do professor Henrique Cairus, que muito me envaideceu. Eu não sabia de quem se tratava, mas o referido comentário me deixou muito lisonjeada. Fui procurar saber de quem se tratava e descobri que o professor era diretor do Programa de Pós-Graduação em Letras Clássicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Imediatamente tratei de lhe enviar um e-mail agradecendo os elogios e logo recebi resposta. Sendo assim, adicionamo-nos no MSN e conversando descobrimos que tínhamos uma conhecida em comum, minha orientadora da graduação, Professora Rosane Oliveira. Em nossas conversas, o professor me disse que no Programa Interdisciplinar de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da UFRJ estavam precisando de um bolsista de apoio técnico. Convidou-me, então, para conhecer o programa; fui até lá e logo depois foi marcada uma entrevista com o professor Luiz Paulo da Moita Lopes.
Sendo aprovada nesta entrevista, estive neste programa por pouco mais de dois anos, de março do ano de 2008 até junho do ano de 2010. Experiência sem igual, maravilhosa, realizei transcrições, revisão textual e bibliográfica, respondi e-mails, auxiliei o professor Titular Luiz Paulo da Moita Lopes diretamente, com quem aprendi muito. Da mesma forma, tive o privilégio de aprender com Branca Falabella Fabrício, também professora do programa, ajudei na organização do seminário Salinguas, aprendi um pouco mais sobre escrita e análise acadêmica. A experiência foi tão positiva no meu processo de formação que costumo afirmar que esse período, como bolsista AT-NS do CNPq neste programa, pode ser considerado como a conclusão da minha graduação.
Cabe aqui mencionar novamente minhas pesquisas sobre a história do bairro de Sepetiba. Foram elas que me trouxeram até aqui, ao Programa de Pós-Graduação em Humanidades, Culturas e Artes da UNIGRANRIO. A continuidade dessas pesquisas passou pelos acervos do Arquivo Nacional, da Biblioteca Nacional e do Núcleo de Orientação e Pesquisa Histórica (NOPH-Ecomuseu de Santa Cruz). No ano de 2008, com ajuda do então candidato a vereador local, hoje com mandato, realizamos a festa de 441 anos de Sepetiba, na qual expus, em painéis, as informações que havia conseguido sobre a história local. Realizamos, também, atividades com as crianças presentes e comecei a divulgar amplamente essas informações, através de um blog “O despertar de Sepetiba” e pelo extinto Orkut.
No ano seguinte, em 2009, a museóloga e uma das fundadoras do Núcleo de orientação e pesquisa histórica NOPH- Santa Cruz, Odalice Priosti perguntou se eu não gostaria de inserir uma roda de lembranças, que eu estava organizando, na programação da primeira jornada de formação em museologia comunitária, que estava sendo realizada em Santa Cruz. Aceitei prontamente; e para minha felicidade, tive o privilégio de conhecer pessoalmente o historiador francês Hugues de Varine, que muito me incentivou nessa jornada ecomuseológica que venho trilhando desde então. Foi assim que surgiu o Movimento Ecomuseu de Sepetiba. Criei, então, um blog do referido movimento, um site e comecei, junto com alguns moradores, a realizar eventos e reuniões no bairro para discutirmos e aprendermos acerca da história e da memória local.
Neste mesmo ano fui aprovada na prova de conhecimento específico e de proficiência em língua estrangeira no processo seletivo do mestrado em memória social da UNIRIO. Também tive meu projeto aprovado. No entanto, fui reprovada na entrevista, adiando meu sonho. No ano de 2010, mais precisamente no mês de junho, fui convocada pelo Estado, para assumir minha matrícula como DOC I, como docente do concurso realizado no ano de 2009. Fui aprovada em terceiro lugar para a coordenadoria da Baía da Ilha Grande. Este, inclusive, foi um dos motivos pelos quais me afastei do programa interdisciplinar de pós-graduação em linguística aplicada, pois não era permitido que um concursado fosse beneficiado com bolsa.
No ano de 2010, participei do processo seletivo para o curso de especialização em Gênero e Sexualidade oferecido pelo IMS/UERJ na modalidade semipresencial. Fui aprovada, concluindo a especialização no ano de 2011, tornando-me especialista em gênero e sexualidade, com a defesa do trabalho intitulado “Sou Pagu indignada no palanque: Representações e performances de gênero no ciberespaço” sob a orientação do professor Doutor Raphael Bispo. No ano de 2011, realizei mais um concurso público, para DOCI, docente, na coordenadoria metropolitana IV, tendo sido aprovado em 34º lugar e assumindo a matrícula em dezembro do ano de 2012.
Nos anos de 2011 e 2012 tentei ingressar no mestrado em memória social da UNIRIO novamente, mas ora não era aprovada na entrevista, ora não era aprovada na prova de proficiência em língua estrangeira ou meu projeto não era aprovado. Depois tentei ingressar no programa de pós graduação em educação da UFRRJ, mas meu projeto não foi aprovado, até que conheci o Programa de Pós-Graduação em Humanidades, Culturas e Artes, Interhumanitas, onde fui aprovada em terceiro lugar, obtendo até mesmo uma bolsa. Hoje tornei-me mestre em Humanidades, culturas e artes pelo referido programa.
Acredito que não seja de grande valia inserir aqui minhas participações em eventos, cursos de extensão, dentre outras atividades, como organização de eventos etc. Mas, nesses espaços tive o privilégio de compartilhar conhecimento, tanto como ouvinte como palestrante em várias ocasiões, não sendo necessário enumerá-las aqui. Em breve atualizarei meu currículo Lattes, mais uma vez, e lá estarão todas elas dispostas.
Profissionalmente, comecei a trabalhar bem cedo, aos doze, treze anos, entregando panfletos imobiliários e encartes de supermercados nos sinais da cidade. Logo depois como recepcionista de stands, segurando balões de gás e placas, trabalhei em lanchonetes, como arrumadeira de hotéis e tive minha primeira experiência no magistério durante o período em que fui coordenadora regional da escola de formação política da Fundação Ulisses Guimarães. Cheguei a dar aulas particulares em casa no período em que estive desempregada, conforme mencionado anteriormente.
Como já disse, também atuei como bolsista AT-NS do CNPq e ingressei no magistério estadual no ano de 2010, e mesmo em meio a toda desvalorização e precarização, esse é um dos maiores orgulhos que tenho em minha vida, pois trata-se da realização de um sonho, faço o que amo. Fundei no ano de 2009 o então movimento Ecomuseu de Sepetiba, mas antes trabalhava com projetos de desenvolvimento local junto com minha mãe no bairro de Sepetiba. Cabe ressaltar que minha mãe sempre foi umas das principais incentivadoras para o meu engajamento em projetos de desenvolvimento local; mulher de fé, mesmo em meio a todas as dificuldades, sempre esteve envolvida em causas humanitárias e ajudando ao próximo.
Fui convidada, no ano de 2010, a participar como membro do conselho editorial da “Revista Café com Sociologia”, na qual ainda permaneço iniciando uma trajetória como avaliadora e parecerista. Da mesma forma, desempenhei a função de parecerista na revista FOCO por algumas vezes. Em 2013 fui eleita tesoureira da ABREMC, Associação Brasileira de Ecomuseus e Museus Comunitários. Em 2016 fui eleita conselheira municipal de cultura do seguimento de gênero e sexualidade. Recebi este ano, 2017, mais precisamente no mês de junho, a medalha municipal Chiquinha Gonzaga, a honraria foi criada pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro com o objetivo de homenagear personalidades femininas que reconhecidamente tenham se destacado em prol das causas democráticas, humanitárias, artísticas e culturais, no âmbito da União, Estados e Municípios. Um outro título, recebido este ano, que mesmo sendo considerado por alguns de menor importância, possuí para mim valor inestimável, foi o título de “Cidadã Sepetibana” ofertado à mim pelos alunos e alunas e professores e professoras do CIEP Ministro Marcos Freire em Sepetiba.
Meu objetivo ao tentar ingressar em programas de pós-graduação strictu sensu nunca foi o título e sim dar continuidade aos meus estudos e à construção do meu conhecimento, processo sempre interrompido no decorrer de minha vida, bem como conseguir ter suporte e orientação para a pesquisa que venho empreendendo de forma autônoma há alguns anos acerca do bairro de Sepetiba. Encontrei neste programa algum apoio; ou melhor, o apoio necessário para dar continuidade aos meus projetos acadêmicos e pessoais. Espero conseguir seguir em frente para o doutorado, aprender cada vez mais e entregar todas as conclusões desta pesquisa e de todo este trabalho de valorização e enaltecimento deste bairro aos seus moradores. Espero, sinceramente, ter retribuído à altura tudo o que este bairro, com o qual fui tão ingrata durante um período, me proporcionou. Se não fosse Sepetiba, eu, minha mãe e meu irmão não teríamos como sobreviver, não teríamos conseguido morar com alguma dignidade; não faço ideia do que poderia ter acontecido, mas sei que este bairro, me proporcionou crescer e amadurecer sem mais tragédias e traumas e ao meu irmão da mesma forma. E, muito embora tenhamos passado por “bons bocados”, como dizia a minha mãe, nos salvamos.
É preciso saber que a partir de certo ponto, não há retorno, acredito que cheguei onde precisava chegar neste momento, fiz e faço o meu caminho, aproveitando e vitalizando as sombras que me aparecem, tentando direcionar as luzes de acordo com as minhas necessidades. Espero que todo este esforço contribua para a valorização deste lugar, que este trabalho que analisa o processo de construção e gestão da memória deste bairro seja útil e levado em consideração e adiante pelas gerações futuras.
Sinto-me responsável e preciso retribuir de alguma forma; afinal, foi em Sepetiba que encontramos pessoas que nos estenderam a mão, sem ter laços sanguíneos ou mesmo proximidade. Foi aqui que encontramos portas abertas, foi aqui que sobrevivemos, foi aqui que criei meu irmão, foi aqui que me tornei a mulher que sou hoje, que não é perfeita, que ainda não realizou todos os seus sonhos e nem alcançou todos os seus objetivos, mas que em mais nada se parece com a menina indefesa, desprotegida, desamparada e despreparada que um dia sonhou em concluir sua graduação. Mesmo muito ansiosa, desejando a realização dos meus sonhos e objetivos, sei que não é com saltos que se chega ao topo de uma montanha, mas sim escalando-a a passos lentos, tendo estabilidade e reconhecendo o caminho; devagar, sempre em frente, mas sabendo que essa trajetória não está concluída, tudo se transforma, buscamos o melhor.
E só podemos alcançar um grande êxito quando nos mantemos fiéis a nós mesmos, toda conquista é resultado de muita persistência; estou aqui como prova e exemplo disso, o êxito depende do esforço. Muito conquistei, e ainda hei de conquistar muito mais, e tenho total convicção que este lugar, Sepetiba, tem muito a ver com isso. Como sempre digo, a gratidão é a memória do coração.