As Armadilhas do Cavalheirismo

Algumas semanas atrás, vi uma postagem polêmica nas redes sociais. (E qual não é, hoje em dia, com os ânimos virtuais inflamados do jeito que estão?). Falava sobre a importância de atos tipicamente masculinos como abrir a porta do carro para a garota ou pagar a conta do jantar, ou seja, sobre o que conhecemos como cavalheirismo. Apesar de ser uma das coisas menos recomendadas e mais depressivas da internet, fui vencida pela curiosidade e me dispus a ler os comentários. Vários deles, principalmente feitos por homens, diziam que a ausência desses gestos acabava com o romantismo.

Talvez você que me lê concorde com esses comentários. Talvez, ache que não faz diferença, que não importa se eles são praticados ou não, que existem coisas muito mais sérias e relevantes para se discutir no mundo. Mas eu gostaria de compartilhar com vocês porque esses comentários me preocupam, e quais as armadilhas que penso existirem por trás do tão romantizado cavalheirismo.

Primeiramente, costuma-se argumentar que não há nada de errado em abrir a porta do carro ou pagar a conta porque são simples atos de gentileza, que todo mundo gosta de gentileza e não há nada de mais por trás disso. Mas, se fosse um simples ato de gentileza, então qual o grande problema em a mulher abrir a porta do carro (ou da casa, ou da loja, ou qualquer porta fechada por aí?) para um homem, ou a mulher pagar a conta do restaurante? Eu consigo passar por uma porta aberta por um homem sem ficar problematizando a gentileza se ele for capaz de, invertendo os papeis, não agir com desconforto. E consigo (com alguma relutância, admito) aceitar que pague a minha parte no restaurante se, mais tarde, não tiver problemas em aceitar que eu pague o lanche da tarde, por exemplo. Nesses contextos, consigo acreditar que trata-se de gentileza pura e simples. No entanto, não é isso que normalmente acontece.

Se todo mundo gosta de gentileza, de onde vem esse desconforto? Será que é da ideia de que o homem tem que ser o provedor, o protetor, e a mulher é a criatura delicada que aceita as gentilezas? Que aceita tudo, na verdade, todas as vontades do homem, porque, afinal, que mulher iria querer perder a oportunidade de ter um homem gentil em sua vida?

Mas a questão dos papeis sociais de cada gênero é só uma colocação inicial, reflexiva, quase inofensiva perto do resto. O que me assusta realmente é que, normalmente, esses atos chamados de gentilezas não são puramente altruístas. O homem que faz a gentileza, às vezes até num nível inconsciente, espera algo em troca. Esse algo pode ser um beijo, alguns amassos depois do jantar, ou muito mais que isso. Quem nunca se sentiu pressionada a retribuir uma investida porque "o cara foi tão gentil durante o encontro" ou porque "o cara pagou a janta" ou "o cara foi me buscar em casa"? E quem nunca ouviu um homem reclamando que fez tudo isso e a garota, “aproveitadora”, foi embora antes que rolasse alguma coisa?

A pressão pode ser sutil, mas com certeza ela existe, e às vezes ganha até nomes infames, como a conhecida “friendzone”. Dramas masculinos à parte, friendzone não é nada mais do que um homem acreditando que, por ser um "bom amigo" (vamos deixar entre aspas porque não considero ninguém que use esse termo um bom amigo) merece algum tipo de envolvimento físico como recompensa. Vamos deixar registrado aqui pra ninguém esquecer: envolvimento físico não é recompensa, nem obrigação. É algo lindo e maravilhoso que só deve acontecer quando todas as partes envolvidas estão a fim e após (no mínimo) algum diálogo.

E já que estamos falando de papeis sociais e respectivas armadilhas, é bom lembrar de mais um problema sério que às vezes é varrido para baixo do tapete e que reforça a ideia equivocada de que homens são criaturas imensamente gentis e mulheres são seres complicados que não sabem aproveitar o que têm diante delas. É razoavelmente comum no nosso cambaleante mundo que vez ou outra tenta parecer politizado ouvirmos falar sobre consentimento e, mais especificamente, sobre mulheres que se sentem pressionadas a dizer SIM quando na verdade gostariam de dizer NÃO. O que eu quero colocar em evidência são os perigos de ensinar uma garota a dizer NÃO quando na verdade ela quer dizer SIM.

Não sei quanto a vocês, mas eu, durante a infância, escutei muito mais vezes do que gostaria que uma mulher deve “se fazer de difícil”. Não pode beijar no primeiro encontro, não pode transar no primeiro encontro, não pode dar ao homem o que ele quer muito facilmente porque assim ele não vai dar valor. Ora, se é só o homem que quer beijar e transar, então qual o sentido de fazer essas coisas? E se a mulher também tem vontade, por que ela deveria ter vergonha disso? Por que ela deveria ter que (ai, que expressão horrorosa!) “se dar ao respeito”? Vamos deixar mais uma coisinha registrada: Ninguém precisa fazer nada de especial para ser digno de respeito. E, com certeza, ninguém precisa ter vergonha de suas vontades ou reprimi-las para merecer ser respeitado. Se nós continuarmos dizendo NÃO quando queremos dizer SIM, os machistas de plantão vão continuar usando isso como combustível para alimentar a ideia de que as mulheres são difíceis, não tem como entender o que elas querem (sim, eu sei, na verdade é só perguntar, mas nem todo mundo tem esse discernimento) e (o mais perigoso) que quando elas dizem NÃO na verdade querem dizer SIM.

É difícil não cair nas armadilhas, porque, sim, às vezes elas são sutis, e, SIM, mulheres querem ser tratadas com gentileza (inclusive as feministas, viu?), mas, na dúvida, melhor não aceitar uma gentileza que pareça vir com segundas intenções de brinde. E a dica mais importante: cultive sua auto-estima, confie na sua intuição e não deixe de expressar sua vontade.

Já que vivemos num mundo de joguinhos que às vezes nos obriga a reafirmar o óbvio, lá vai: o SIM de uma mulher é sempre um SIM, e o NÃO é sempre um NÃO. (E nada disso quer dizer que não somos livres para mudar de ideia e alterar os termos com um bom diálogo!)