Descobrindo-me Feminista

Para o meu primeiro texto sobre feminismo, gostaria de começar pelo começo. Não pelo começo histórico, espero ter bastante tempo para falar disso um dia, mas por alguma coisa mais íntima: o meu começo. Como foi que uma mulher branca, cis, jovem, de família evangélica, acabou se tornando feminista?

Antes de tudo, não foi uma “conversão”. Eu não era uma pessoa machista que um dia foi iluminada (ou, como diriam alguns, doutrinada) pelas ideias feministas e passou a segui-las rigorosamente. Não. Foi algo mais gradual que isso e, principalmente, mais natural que isso. A vontade de ler sobre o assunto, de participar de grupos de mulheres que pensam de forma semelhante, de me envolver em projetos e de criar coragem para explicar para outras pessoas o que é tudo isso veio depois, como uma consequência, como uma necessidade de complementar e aprofundar aquilo que eu sabia no fundo da mente que era o caminho certo pra mim. Então, não existe “o dia em que me tornei feminista”. Existem os vários momentos em que as coisas que eu via no dia-a-dia me levaram a ver que algo não estava certo.

Quando criança, sempre convivi mais com rapazes do que com garotas. Em especial, rapazes mais velhos. Isso me levou, desde bastante cedo, a criar uma espécie de barreira de proteção, um modo de falar e agir focado em impor respeito e manter distância, para evitar todas as coisas ruins que garotos mais velhos poderiam fazer com uma garota. Garotos mais novos, é claro, não precisavam dessa preocupação, eles só entravam naturalmente nas brincadeiras e conversas.

Quando iam jogar futebol, era sempre um problema: eu queria jogar também, mas não podia participar, era muito nova e poderia me machucar. No entanto, o garoto magrinho alguns meses mais novo que eu, de alguma forma, não era novo demais, nem frágil demais, e podia jogar com os garotos mais velhos. E tinha mais: os times eram divididos entre “os com camisa” e “os sem camisa”. Algo me diz que muitas pessoas ficariam mais do que um pouco escandalizadas se eu fosse escalada para um dos times em particular.

Mas, para os jogos de vôlei, eu era convidada. E aí, já vejo dois problemas. O primeiro deles é: porque os rapazes podem definir quais espaços são “seguros” e quais espaços são “perigosos” para uma garota adentrar? Se eles estavam tão gentilmente preocupados com minha integridade física, por que essa preocupação não se estendeu ao garoto magrinho jogando futebol? Não é preciso ir muito longe para encontrar os estereótipos que tornam esse tipo de pensamento tão natural. Porque a questão ali não é ser muito nova, ou muito frágil. A questão ali é que mulheres são usualmente vistas como delicadas demais para certas coisas.

O outro problema tem a ver com a reação dos rapazes quando eu fazia um movimento particularmente hábil durante o jogo, ou, mais perturbador ainda, ganhava a partida. Existia um peso diferente entre “perder” e “perder para uma mulher”. Por quê? Por que o gênero de uma pessoa deveria, por si só, pressupor uma maior ou menor habilidade em realizar qualquer coisa? E por que a necessidade dos homens de serem melhores que os outros é maior ainda com relação a uma mulher?

Eu poderia continuar dando exemplos, mas gostaria de pular para a moral da história. Sei que essas são situações simples, aparentemente inofensivas, e que comparadas com todas as histórias de violência doméstica, estupros e feminicídio que ouvimos praticamente todos os dias, quase poderiam ser consideradas como drama (ou o famoso “mimimi”), mas eu discordo. Situações com consequências menos graves muitas vezes têm origem nas mesmas formas de pensar que geram as grandes tragédias.

Nem todas as mulheres estão em situações evidentes de submissão, e felizmente nem todas precisamos passar por grandes traumas para perceber que nossa sociedade necessita de rever a forma como trata o corpo, a liberdade e os pensamentos das mulheres. E nós, mulheres, precisamos ouvir mais umas às outras, entender mais umas às outras e, mais do que tudo, entender que quando outra mulher ganha a liberdade para fazer o que quer, não significa que eu precise perder a liberdade de fazer o que já faço e gosto de fazer.

O feminismo (apesar de suas correntes radicais, que, vale lembrar, estão longe de representar o movimento como um todo) não veio para dominar os homens e muito menos para destruir famílias. Ele veio para que garotinhas como a que eu era anos atrás pudessem encontrar apoio e sustentação prática e teórica quando começassem a enxergar as injustiças sofridas por causa do seu gênero. Ele veio para que mulheres pudessem trabalhar, votar, ocupar posições de poder, decidir o que querem fazer com seu corpo, com sua mente, com suas habilidades e com seus sonhos. Enquanto algumas de nós se deixam levar por informações sensacionalistas e começam a sentir medo do feminismo, ele está aqui para que um dia nós possamos parar de sentir medo.

Para concluir, se você chegou até o final deste texto, tenho um pedido a lhe fazer: você não precisa se tornar feminista ou militante da noite para o dia. Mas reflita sobre a sua realidade, converse com as mulheres ao seu redor, descubra tudo o que puder sobre você mesma e sobre os seus sonhos. E lembre-se sempre que não está sozinha.