A confissão para a amiga distante...

Quero iniciar dizendo que hoje sou um homem totalmente mudado. Mas me senti na obrigação de lhe revelar um pouquinho do meu perfil verdadeiro. Tudo aqui é real, verídico. Minha intenção é ser o mais sincero possível. Quero que fique totalmente ciente da pessoa que está conhecendo.

O que eu posso iniciar dizendo? Realmente, eu não sei... impossível descrever o que venho sentindo por ti de algum tempo pra cá. Você... soube me encantar de uma tal forma que sinceramente, não consigo descrever, explicar. Só sei que gosto muito de você, muito mesmo! Sua humildade, gentileza, o jeito que conversa comigo... tudo tão sincero; mesmo a distância, eu percebo o quão pura és, e o quão se importa comigo! Muito obrigado, minha querida... de coração!!! Você realmente és única, neste maldito mundo de corruptos e tiranos. E benevolente... incapaz de guardar rancor ou mágoas... eu sinto isso de ti.

Venho através desta, lhe atualizar um pouco sobre minha pessoa. Você será a humana que mais saberá sobre mim, meu passado triste e aventureiro, cheio de tramas e decepções, dificuldades e desafios. Minha querida... tô disposto a te contar tudo. Tudo mesmo!!!

Não é de se esperar que venho de uma família pobre. Meu pai abandonou minha mãe e meu irmão quando eu ainda estava no ventre dela. Ele nos deixou com apenas um fogão velho, um botijão de gás sem gás, alguns móveis antigos e nada mais. Eu não me lembro... mas foram palavras de minha mãe e avós maternos, ambos já falecidos (estes últimos mencionados, quero dizer). Até o ano de 1996, éramos criados por nossos avós, enquanto minha mãe trabalhava. Era ralado! Via o quanto minha mãe sofria com a ausência de meu pai. Mesmo pequeno, meu ódio pelo projeto que apenas serviu para ejacular o espermatozóide em minha mãe já estava sendo nutrido. Alguns anos se passaram e conseguimos uma casa do governo, na época do então governador Maguito Vilella. Era a nossa primeira casa. Uma alegria, pois era algo inédito em nossas vidas. Apenas quatro cômodos e um quintal, e acredite, para nós era uma mansão. Finalmente tínhamos saído do aluguel (eu já vi minha mãe levar chute na bunda de cobrador de aluguel, aumentando ainda mais meu ódio perante meu pai, que sempre atrasava as pensões. Na verdade, se ele mandou isso, foi umas cinco vezes e olha lá). No único quarto que tinha, dormia nós três. Foi o primeiro passo para superar uma época muito complicada.

Antes disso, de nos mudarmos para nossa casa, vi a morte pela primeira vez na minha vida (seis anos de idade). Meu avô, cujo nome herdei dele (Aristóteles), havia morrido de problemas cardíacos. Foi um choque! Uma tristeza! O patriarca da família faleceu. Arrasou geral. Foi a partir dai, que aos poucos, fomos ficando cada vez mais desunidos, onde cada membro de nossa enorme família foi se isolando em suas ilhas, seus mundos... enfim, cada um segue o que queres. Com o tempo, outros foram morrendo, e hoje sobraram poucos; pelo menos daquela geração, a maioria já se foi. O difícil foi ver a ambição tomar conta dos filhos de meu avô e de minha avó, querendo que vendam à casa, dividam à grana. Aqueles malditos destruíram à história que aquele enorme casarão continha. Bando de estúpidos e idiotas. Por isso, odeio a maioria desses familiares incompetentes e felizmente, não os vejo!

Mas voltando à breve biografia, eu, minha mãe e meu irmão, mudamos para onde seria o pior bairro da época, o mais barra pesada da cidade de Catalão. Tudo que era de ruim iria para lá, afinal, o bairro era novo, quebrada iniciando, nem mesmo a polícia dava as caras. Lembro-me que mudamos para lá no final de mês de outubro de 1996. Não é difícil esquecer, pois foi na mesma época da Festa do Rosário, e eu a adorava, porque tinha muitos fliperamas e parque de diversões. Sempre fui pobre e nunca tive as coisas, mas eu tinha minha própria maneira de se divertir. Foi nesta que aprendi meus primeiros dons de furtos, roubos e furtividade. Aprendi a ser inteligente, sagaz, furtivo, veloz. Foi onde eu vi que teria de roubar pra comer, divertir e sobreviver. Isso com apenas oito anos. Enfim...

Voltando para o bairro Primavera, local onde fomos morar, logo de cara, fiz amizade com os moleques da quebra. De 1996 até 2009, foi a consecutividade de anos que morei em tal lugar. Aprendi ainda mais tudo de ruim ao pior. Pular muros, abrir janelas, portões, cadiados, escalar alturas demasiadamente altas, correr da polícia, de gangues rivais, tráfico, drogas... tudo isso eu aprendi neste lugar, isso, por escolhas, influências de amigos e a situação que passávamos atualmente, pois o fato de termos conseguido uma casa não mudou nossa situação: éramos pobres, passávamos falta das coisas (comida, produtos de higiene e limpeza; as vezes faltava água e luz. Aquilo foi constrangedor... dolorido demais). Maldita infância e adolescência! Foi por causa disso, dessa "sobrevivência" penada e pela ausência de meu pai que eu decidi não optar por ser pai. Quero morrer sem filhos! Tenho medo de falhar e me tornar um monstro como ele. E não quero que meus pirralhos passem pelas mesmas coisas que eu passei.

Essa "vida louca" me rendeu várias cicatrizes, várias histórias engraçadas e cabulosas, várias fugas dos "heróis" e surras também. Constantemente, eu era alvo de porrada, as vezes da minha mãe, as vezes de meu irmão mais velho que mora lá em Porto Alegre, as vezes das tretas nas ruas, na escola... eu era um brigão mesmo, mas também era uma vítima! Sabe, eu até entendo o que minha mãe passava e compreendo o motivo de sua fúria e stress, mas meu irmão não tinha motivos para me bater; era por esporte mesmo. Graças a isso, acabei nutrindo um certo ódio por ele também (e ele é meu único irmão de sangue). Algumas coisas que minha mãe fez comigo, também são inesquecíveis... traumas que irei carregar por toda minha vida. Acho que tá mais do que explicado o porque me tornei esse ser estranho e bizarro, que só gosta de coisas introvertidas, afastadas, distantes...!!! Sou um monstro, e tenho meus motivos para tal fardo, mas não foi totalmente culpa minha.

Foi uma fase complicada, essa vivida em Catalão. Vi muitos amigos e familiares morrerem, passei por muitas merdas e injustiças. Também não fui santo; já fiz muita coisa errada, coisas que ainda não me deixam dormir, mas que não são tão graves assim, no entanto, uma pessoa sentimental como eu se culpa demais. Mas felizmente, covardia e infidelidade passam longe de minha lista de pecados. Além disso, sempre fazia minhas paradas erradas, mas nunca matei ninguém, nem estuprei; na verdade, nem envolvia muitas pessoas, pois numa quebra, quanto menos gente souber de sua vidae participar dela, melhor! Também confesso que fui um péssimo filho, mas não tive muita escolha, mediante a minha saga de traumas e dificuldades. Demorei também pra dar valor aos estudos. Especificamente, fui valorizar tal coisa somente do ano de 2009 pra cá. Na verdade, na época escolar, eu era um verdadeiro capeta. Sempre gostei de fazer bagunça! Toda semana minha mãe tinha de ir a escola resolver babado meu. As vezes, eu realmente exagerava. Já aconteceu de minha pessoa frequentar a sala da diretoria até quatro vezes no mesmo dia. Se for juntar todas as advertências e suspensões que já levei nessa vida, daria pra fazer um boleto bancário. Além disso, consegui ser expulso de três escolas. Sim... eu era terrível. E o mais legal, é que eu tinha muitos amigos. Tipo, os alunos mais fracos, todos queriam me seguir, me viam como um exemplo de força, pois mesmo criança, pequeno e magrinho, não calava pra nenhum grandalhão e encarava qualquer um. Não tinha medo de apanhar (pois eu já estava acostumado) e nem de perder. Levantei uma certa admiração de alunos daquela época por causa disso, admiração até hoje existente, pois ainda mantenho contato com muitos amigos queridos do passado, e eles me respeitam bastante, relembram as histórias e etc. São memórias que jamais serão extintas de meus neurônios.

Depois de muitos anos de Bairro Primavera, arrodeado de drogas, sexo, farras, metal (tocamos rock pesado um bom tempo, viajamos muito), vida de crimes e "patraozera" e etc, minha mãe decidiu mudar-se para Três Ranchos (fica há quase uma hora de viagem para Catalão). Nesta fase, estávamos começando a ficar bem de vida, pois minha mãe trabalhava e eu ganhava dinheiro com o aulas de guitarra e informática. Optei por ir com ela, já que não tinha escolha, e também porque queria dar uma sossegada. Aquela vida louca já tava enjoando. Não tenho muito a relatar, já que morei lá apenas por uns cinco meses e decidi então vim pro DF, onde me estabeleci até hoje. Com muita dificuldade, tô vivendo por aqui. É o principal foco de agora.

Como mencionado, vim pra cá no final de 2009, com a cara e a coragem, sem permissão de ninguém, nem nada do tipo. Cheguei na casa do meu pai, na cara dura, e disse que tinha vindo morar com ele, que queria mudar de vida, e pra isso, eu precisava ficar em Brasília por um tempo. Ok! Ele concordou! Me surpreendeu, porque eu esperava uma contra resposta. Foi onde comecei a me dedicar aos estudos (FINALMENTE). Terminei o ensino médio no ano seguinte, e ainda no mesmo ano, comecei a cursar umas disciplinas técnicas, depois fui para o que eu realmente queria: técnico em necrópsia, depois fiz técnico em tanatopraxia. Me aprofundei, passei à gostar mais e mais de anatomia. Veio meu primeiro emprego na clinica, onde até hoje eu ainda faço serviços. Gostei tanto de anatomia que decidi cursar o técnico em enfermagem, mas antes disso, cursei outras propriedades de conhecimentos que julguei necessários e atualizei outros já obtidos.

Quando menos percebi tinha tomado gosto pelos estudos novamente (eu sempre fui meio inteligente, mas a vontade de fazer bagunças era maior). Foi uma das maiores e melhores fases da minha vida, porque foi onde eu vi que eu poderia sim parar com as drogas e as garras; e eu já estava ficando cansado disso. Bem... o tempo passou, tive altas e baixas, mas estava bem. Tive recaídas e problemas com álcool (estava depressivo), familiar (pois meu pai havia literalmente me mandado embora - tive de viver por conta própria. Um baque. Nunca tinha passado por aquilo, e numa capital ainda por cima?! Confesso que fiquei trêmulo naquele momento, deu vontade de voltar, desistir de tudo. Não o fiz), social e conjugal. Nessa fase eu vi que não valia mais a pena ser o "homem poético". Na boa, isso realmente não existe mais. Tudo se tornou carnal, obsceno e pervertido! Mas superei. Resolvi investir em coisas diferentes, resolvi voltar a me cuidar, me importar somente com quem me ama e gosta mesmo de mim. Voltei até mesmo com os treinos. Claro que eu não me tornei um cara bom. Longe disso. Nem perfil pra herói eu tenho, mas talvez eu seja mesmo um vilão boa pinta e legal. Percebi isso e decidi mudar de vez, ou pelo menos um pouco,. Vi que existiam algumas pessoas que realmente se importavam comigo.

Decidi vender um lote que eu tinha em Catalão. 25 mil. Dei 10 mil para minha mãe e fiquei com 15 mil. Comprei um lote aqui no DF, em uma invasão. O local aqui não foi regularizado, mas em breve será, e ninguém mais sai daqui, pois a população cresceu e o governo agora é obrigado a deixar as pessoas onde estão ou dar um imóvel para cada família existente. A estrutura aqui é precária: não tem asfalto, ligações de água e energia é tudo a base de "gatos" e o esgoto corre ao céu aberto. E minha casa praticamente alaga quando chove. Ma isso é breve. Já vi lugares piores se modernizarem e hoje são metrópoles ou bons ambientes. Mas estou á cerca de 30 minutos da capital do país, e cerca do mesmo tempo de cidades satélites importantes, como Águas Claras, Taguatinga e Guará. Todo início é difícil. E essa é só mais uma fase difícil deste RPG real chamado de "a saga de Aristóteles", rsrsrs.

Olha... pra você, serei o mais sincero possível... moro em um barraco de madeira. Tá bem arrumadinho, tem água e luz, uma internet meia boca que desvio do vizinho graças aos meus conhecimentos. Não tenho móveis; na verdade, tenho mais livros e peças de informática do que qualquer outra coisa. E objetos antigas. Adoro coisas antigas. Acho que sou mesmo doido. Como sou sozinho, não preciso de muito. Me preocupo apenas com meus bichinhos (duas gatas, uma cachorra e um peixe). Felizmente, consigo tirar meu sustento trabalhando com informática e eletrônica de forma autônoma, e cubro as folgas dos funcionários na mesma clínica onde trabalhei por quase três anos. Aprendi a fazer um pouco de tudo nessa vida, então quando aparece "bicos" nas áreas de pintura, jardinagem, elétrica, marcenaria, carpintaria e até como servente de pedreiro, eu caio pra dentro. Comigo não tem frescura. Já fui garçom, vigia... são muitas contas a pagar, quatro boquinhas pra alimentar, então não dá pra escolher.

Meu principal objetivo agora não é nem de construir casa, nem de estudar, nem me casar e muito menos ser o atleta renovado e rvigorado, mas sim, recuperar coisas boas que perdi no passado. Estou conseguindo.

Agora, mudando de assunto... o quesito sobrenatural. Sim... tenho essa droga de desvantagem. Não muito agora, mais sim quando criança. Eu via coisas, sentia coisas, tinha pesadelos... aquilo foi foda! Mas conforme fui crescendo, fui perdendo, digamos, essa habilidade. Atualmente, apenas sinto e consigo ver algumas energias em volta de pessoas, e noções do perigo. Papo de doido, né?! Mas te juro, é real. Pior ainda é que peguei aptidão pela coisa e passei, isso desde criança, a gostar de cemitérios, locais afastados e excluídos, músicas sombrias e pesadas. Estudei muito sobre o assunto. Sem perceber, tinha me tornado uma espécie de bibliotecário sobrenatural e caçador de aventuras. Passei a perambular em locais cada vez mais lúgubres, funestos... procurando respostas ou algo a se responder. Hoje nem tanto mas houve uma época em que eu realmente tava focado mas curiosidades do desconhecido. Acho que sou mesmo uma carga ambulante de pecados reencarnados e de total esquisitice. O pior filho de Deus???

Sabe... eu nunca fui muito crédulo de religiões e deuses, nem seguidor, nada! Absolutamente nada! Mas se Deus existe, meu... tenho muitas perguntas. Queria mesmo conversar com ele.

Enfim... já teclei demais. Quando quiser ir pra Catalão, só dar a letra. Tenho certeza que você vai gostar!

Recluso Misantropo
Enviado por Recluso Misantropo em 14/06/2018
Reeditado em 12/12/2018
Código do texto: T6364062
Classificação de conteúdo: seguro
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