Ottokar Doerffel em Joinville - Um político de verdade

Para quem gosta de deleitar-se em ler a História, aqui de um Político de verdade - visão, organização, dignidade, sabedoria, civilidade, moralidade.

* SERÁ QUE OS NOSSOS POLÍTICOS CORRUPTOS DA ATUALIDADE LERAM OU LEEM OS GRANDES HOMENS DO BRASIL HISTÓRICO?

* Alguns dirão que é história passada.

- Realmente é, quando haviam políticos de verdade que planejavam o futuro das suas cidades e não do seu bolso.

********************

Uma publicação efetuada no Jornal A Notícia de Joinville em 24/03/2018.

Aqui em forma de redação, sem fotos.

http://anoticia.clicrbs.com.br/sc/geral/joinville/noticia/2018/03/ottokar-doerffel-deixou-a-alemanha-para-ser-um-visionario-em-joinville-10197983.html?impressao=sim

Méritos ao Jornal, Méritos para Cláudia Morriesen (que não conheço).

Cláudia Morriesen

claudia.morriesen@somosnsc.com.br

********************

Ottokar Doerffel deixou a Alemanha para ser um visionário em Joinville.

Ele nasceu em 24 de março de 1818 e viveu a maior de seus 88 anos dedicado ao desenvolvimento da cidade que escolheu no Brasil

Compartilhar E-mailGoogle PlusTwitterFacebook

Ottokar Doerffel deixou a Alemanha para ser um visionário em Joinville Arquivo Histórico/Divulgação

Natural da Saxônia, ele deixou a Europa depois de ser acusado pelo envolvimento em movimentos revolucionários.

Foto: Arquivo Histórico / Divulgação

Cláudia Morriesen

Cláudia Morriesen

claudia.morriesen@somosnsc.com.br

Joinville era uma página em branco quando o visionário Ottokar Doerffel escolheu deixar o Reino da Saxônia para imigrar para o Brasil. Ele seria o responsável por preencher boa parte da história da região Norte de Santa Catarina e deixá-la à disposição para que a origem da cidade pudesse ser conhecida e compreendida no futuro. Ela está, literalmente, nas edições do jornal Kolonie-Zeitung (Jornal da Colônia), que ele fundou há 156 anos; nas cartas detalhadas sobre os primeiros anos da Colônia Dona Francisca que ele enviava aos familiares na Alemanha; nos documentos que registram o início da vida política e nas edificações que tornaram-se símbolo da maior cidade do Estado.

— Ele sonhou criar em Joinville o mundo que não conseguiu criar na Europa. Ainda que fosse um homem de seu tempo, conservador, ele tinha planos de fundar aqui uma sociedade mais justa e igualitária — analisa o historiador Dilney Cunha.

Ottokar nasceu em Waldenburg, um principado encravado em uma planície, em 24 de março de 1818. Napoleão Bonaparte havia sido derrotado poucos anos antes, em 1815, e o mapa político da Europa ainda era redesenhado enquanto Ottokar brincava com os herdeiros do príncipe de Schönburg e recebia a mesma educação que a nobreza, que, em poucas décadas, tornaria-se sua inimiga.

Filho de um funcionário da justiça, ele não se assemelhava em nada com a maioria das pessoas que acabariam emigrando para as colônias da América no século XIX. Depois de viver uma infância abastada, ele deixou a cidade natal para estudar ciências jurídicas em Leipzig, a 400 quilômetros de distância de casa. O local era como o centro do mundo para as artes: poetas como Goethe e Schiller haviam passado pelas mesmas ruas poucas décadas antes, difundindo a literatura classicista, e a inauguração de um Conservatório de Música tornou a cidade uma referência para os grandes espetáculos. Foi o caminho seguido por Alfred Doerffel, irmão de Ottokar, músico premiado que estudou com compositores como Felix Mendelssohn and Robert Schumann.

A excelência era parte da família Doerffel e Ottokar também seguiu uma trajetória de prestígio. De jovem advogado virou funcionário da justiça e transitou por Tribunais da Saxônia até chegar a Glauchau em 1846. Aos 30 anos, e apesar de recém-chegado, foi eleito prefeito da cidade em 1848. Ao mesmo tempo, a Europa vivia a Primavera dos Povos e movimentos liberais e democratas expandiam-se por toda a Europa.

— Os movimentos de 1848 na Europa reivindicavam o fim do absolutismo que imperava na maioria dos países europeus, inclusive na Alemanha, que nem existia ainda como nação. Ela estava dividida em reinos e principados — explica Dilney.

Ottokar era um liberal: ele também defendia o fim do poder centralizador dos monarcas, ainda que fosse, ele mesmo, um monarquista, mas com ideais constitucionais. E, menos de um ano depois de assumir como prefeito de Glauchau, ele seguiu o movimento contrário aos dos outros governantes que reprimiram os rebeldes que marchavam pela Confederação Germânica.

— Ele distribuiu alimentos e armas, e teria organizado a marcha. Não foi exatamente um incentivo, mas ele também não a impediu. Em sua defesa, mais tarde, afirmou que foi uma garantia de que não haveria mais destruição, como ocorreu em outros lugares - afirma Dilney.

Ao realizar um discurso aos revoltosos no centro de Glauchau, Ottokar seguia, sem imaginar, em direção ao fim de sua trajetória na nação germânica que ele tanto admirava e à uma cidade que ainda não passava de terras quase inabitadas no sul do Brasil.

A mudança para o Brasil

Ottokar Doerffel provavelmente sabia com antecedência a respeito dos planos da Sociedade Colonizadora de Hamburgo. O príncipe de Schönburg tornara-se um dos acionistas da Colônia Dona Francisca e é provável que a informação tenha chegada a ele deste forma no momento em que partir da Saxônia parecia-lhe a única opção. Sua ousadia na marcha dos revoltosos havia o transformado em um homem condenado: foi acusado por alta traição e sentenciado a 12 anos de prisão. Só não foi para a cadeia, sob a acusação de alta traição, porque amigos e parentes se uniram para pagar a fiança enquanto ele aguardava o julgamento em segunda instância. Ottokar advogou em sua própria defesa e conseguiu convencer a alta corte de que, sem sua intervenção, o ataque dos rebeldes teria sido muito pior. Foi inocentado, mas viu seu nome e sua carreira perderem valor diante da sociedade da época.

— Há histórias de que ele teria sido condenado à morte, o que não é verdade. Ele passou alguns anos aguardando a sentença, mas perdeu os direitos políticos e não conseguiu se reinserir novamente na socidade — afirma Dilney.

Se na Saxônia os movimentos revolucionários de 1848 não conseguiram depor o rei; na França, o movimento foi responsável pela proclamação da Segunda República Francesa, levando à queda do rei Luís I. Apesar de ocorrer do outro lado do Oceano Atlântico, o fim da monarquia na França influenciaria diretamente na criação da colônia que deu origem à Joinville e a outros municípios da região Norte de Santa Catarina. A princesa Francisca Carolina havia recebido as terras que correspondem à cidade como dote ao casar-se com o príncipe Francisco Fernando de Orleans, filho de Luís I e, ao partirem para o exílio na Inglaterra, repassaram estes bens para o senador Mathias Schroeder explorá-los na criação de uma colônia europeia.

Ottokar estava em situação de vantagem em relação aos outros 214 imigrantes que, assim como ele, deixaram Hamburgo em 30 de setembro de 1854 a bordo do navio Florentin e chegaram ao porto de São Francisco do Sul em 20 de novembro. Nas informações da lista de embarque, os passageiros dividem-se principalmente entre lavradores, operários, mineiros e comerciantes. Eram pessoas que, diante de uma nação em crise política e econômica, sonhavam com um novo país onde pudessem retomar suas vidas.

Faziam apenas três anos e meio desde que os primeiros europeus haviam dado início ao povoamento da Colônia Dona Francisca e o local ainda não passava de muito mais do que 33 quilômetros quadrados de terra úmida e mata fechada.

Os imigrantes que chegavam tinham à disposição um barracão onde podiam permanecer até conseguirem levantar as paredes de uma casa. Mas Ottokar era um homem de posses na Saxônia e, assim que ele e a esposa, Ida, chegaram na colônia, imediatamente adquiriram uma casa na Mittelweg, o "caminho do meio", atual rua Quinze de Novembro.

— Era uma casinha simples e, como qualquer outro imigrante, ele foi trabalhar na roça. Era uma vida dura, de colono, de subsistência — relata Dilney.

Dedicação às artes e à economia

Ao fim do primeiro ano na Colônia Dona Francisca, Ottokar possuía uma olaria para produção de telhas, cumprindo sua parte em atender as demandas de uma comunidade com 900 habitantes recém-chegados e nenhuma infraestrutura. Mas não era apenas à sobrevivência que ele pretendia dedicar seus dias e, por isso, cinco meses depois de desembarcar, Ottokar já estava envolvido com a criação de uma associação, na esperança de movimentar economicamente e culturalmente o lugar que escolhera para viver. Em abril de 1855, ele participou da fundação da Sociedade de Cultura da Colônia Dona Francisca (Cultur-Verein zu Dona Francisca).

— Apesar do nome, ela referia-se a orientação das técnicas agrícolas. Junto, ele tinha a intenção de criar uma biblioteca com sala de leitura. No mesmo ano, ele se filia à maçonaria, que já havia em Joinville, e na qual ele seria uma grande liderança — explica Dilney.

A grande contribuição de Ottokar à cultura nasceria em 31 de maio de 1858, quando ele e outros 24 homens se reuniram na casa de Eduard Trinks — de acordo com o relato que o próprio Ottokar enviou em carta para a mãe — para começar uma sociedade que ofereceria entretenimento para os moradores da colônia. Foi batizada de Harmonie. "E, se a Harmonie vencer os anos, vitoriosamente, que nossos herdeiros saibam conservá-la com igual carinho que de nós terá", escreveu Ottokar na ata de criação da sociedade que, mais tarde, seria renomeada como Harmonia-Lyra e é, hoje, a mais antiga sociedade cultural de Santa Catarina a permanecer ativa.

O advogado foi o primeiro diretor teatral da sociedade e ocupou o cargo por 25 anos. Segundo os registros da época, era um professor "sóbrio e tranquilo, jamais perdendo a paciência", como é relatado no livro dos 150 anos da Harmonia-Lyra.

— Ottokar foi um líder para a colônia porque tinha cultura e experiência política na Alemanha. Ele desempenhou papeis na direção da colônia, na política e na criação de praticamente todas as associações da época e, com isso, contribuiu para o rápido desenvolvimento da cidade — avalia a historiadora Raquel S. Thiago.

JOINVILLE,SC,BRASIL,20-03-2018.200 anos de Ottokar Doerffel,Igreja da Paz.(Foto:Salmo Duarte/A Notícia)

Ele estava no grupo que conquistou o direito à casa de oração protestante e, anos depois, adquiriu os sinos da Igreja da Paz

Foto: Salmo Duarte / A Notícia

Pedra fundamental da Igreja da Paz

Em 1º de junho de 1857, Ottokar sentou-se em uma mesa de pedra, ao centro de um círculo formado no meio da mata aberta do que seria o Centro de Joinville. Ali, registrou em 12 páginas tudo o que aconteceu na cerimônia de lançamento da pedra fundamental do templo que, futuramente, se transformaria na Igreja da Paz, no Centro de Joinville. Ele cumpria sua função de secretário da Colônia, anotando os discursos, mesmo aqueles feitos em português por autoridades como o presidente da Província, D. João José Coutinho. Depois, guardou o documento dentro de uma cápsula de estanho, que foi lacrada e enterrada — seria aberta mais de 100 anos depois, em 1961, e não há um consenso se estas páginas sumiram ou se voltaram para debaixo da terra e repousam em algum ponto da rua Princesa Isabel.

A igreja seria inaugurada em 1864, ainda sob a Constituição Imperial que fazia do catolicismo a única religião aceita no Brasil. Por isso, ao olhar para o céu, os fieis não viam torres nem sinos, nada que remetesse ao fato de aquela também ser uma igreja. Mas, assim que a República foi proclamada, em 1890, Ottokar reuniu-se com outros homens da cidade em uma comissão que tinha como responsabilidade adquirir sinos e, para abrigá-los, construir a torre que ainda hoje pode ser vista de vários pontos de Joinville.

Segundo os registros do Arquivo Histórico da Comunidade Evangélica de Joinville, quando os três sinos chegaram, vindos da Alemanha, Ottokar recitou poemas para celebrá-los.

Ampliação dos horizontes

Em 1873, Ottokar Doerffel estava preocupado. Os navios não paravam de chegar ao porto de São Francisco do Sul, com passageiros que se direcionavam para a Colônia Dona Francisca, mas ele acreditava que não havia mais lugar nem mantimentos para tantas famílias que mudavam para um novo continente carregando apenas malas e sonhos. Ottokar assumira recentemente o cargo de diretor da colônia, interinamente, já que o antigo diretor morreu naquele ano.

Não que a administração pública em terras brasileiras fosse novidade: ele virou tesoureiro da colônia em 1856 e, por todas as atividades culturais e econômicas que exercia, conhecia bem os problemas da comunidade. Por isso, lembrou que havia um grupo comandado pelo engenheiro August Heeren demarcando lotes para preparar uma colônia no alto da serra, perto de um riacho.

"Fundei, mesmo sem obter autorização da repartição governamental, no meio da floresta da serra da região, a localidade de São Bento, para abrigar grande número de novos imigrantes", escreveu ele em uma carta enviada à família anos depois.

Foi por decisão dele que alguns imigrantes, equipados com ferramentos, sementes e mantimentos, subiram o que um dia se tornaria a rodovia SC-418, chamada de Estrada Dona Francisca, e começaram a preparar o local para virar a cidade de São Bento do Sul.

— Ottokar incentivou muito a colonização do planalto. Havia muita morosidade por parte da província e ele não podia esperar a boa vontade dos governantes para acomodar os novos imigrantes. E, para isso, reivindicou recursos para abertura da Estrada Dona Francisca, que era o caminho, também para o mate — explica Dilney.

Em 1873, foi o vereador mais eleito da cidade e, por isso, assumiu o cargo de presidente da Câmara Municipal, função que, na colônia, equiparava-se à de prefeito. Depois, continuou no poder legislativo por mais um mandato, até 1881.

primeira edição do Kolonie Zeitung, jornal criado por Ottokar Doerffel

Edição piloto do Colonie-Zeitung (depois a grafia mudaria para "Kolonie), publicado em 1862

Foto: Arquivo Histórico / Divulgação

Jornalismo pioneiro

No fundo da baía da Babitonga repousa um maquinário de tipografia datado do século 19. Ele poderia ser o símbolo do início da imprensa joinvilense, e teria feito a impressão do primeiro jornal em língua alemã do Brasil, se não tivesse afundado junto com o Navio Francisca, em 1858, logo depois que os passageiros desembarcaram no porto de São Francisco.

Ottokar Doerffel havia começado a arrecadar recursos com os moradores da colônia para comprar o prelo manual dois anos antes, defendendo a importância do jornalismo para a comunidade, por menor que esta ainda fosse na época.

O primeiro exemplar do Kolonie-Zeitung circularia apenas em 20 de dezembro de 1862, como uma versão experimental.

Com a tipografia instalada em uma pequena casa de madeira na atual praça Lauro Muller, as atividades começariam efetivamente em 3 de janeiro de 1863 para durar oito décadas. Inicialmente, a publicação era feita em duas colunas, em dimensões de folha A4. Suas edições circulavam aos sábados e eram enviadas para Blumenau e São Bento do Sul, além de ter exemplares enviados para Hamburgo, para que fossem distribuídos na Alemanha.

A promessa, segundo o cabeçalho da primeira edição, era de que seria publicado "(...) sempre um resumo, claro e compreensível, das mais importantes ocorrências mundiais, sobretudo dos fatos mais em evidência na Europa, dando atenção especial às coisas e à evolução dos acontecimentos nos países de língua alemã, (...)".

— Ele reconhecia que os imigrantes viviam uma crise de identidade no Brasil e ajudava, por meio do Kolonie-Zeitung, a superar estas dificuldades e a amenizar esta dualidade, além de orientá-los a viver novo país — analisa Raquel S. Thiago.

Residência de Ottokar Dörffel. [Panorama externo da residência de OttoKar Dörffel, a qual foi construída a partir de 1864, a planta concluída em 10/03/1866, vê-se no entorno paisagismo no jardim da casa. Atualmente abriga o Museu de Arte de Joinville].Museu de Arte de Joinville

Ottokar, já idoso, posa na frente da casa que, atualmente, é a mais antiga edificação preservada da cidade

Foto: Arquivo Histórico / Divulgação

Para fazer da casa um templo

Não há muitos registros que revelem a figura mais importante da vida de Ottokar Doerffel. Apesar de Ida Gunther, que tinha 23 anos quando casou com o advogado, escrever muitas cartas para os parentes que ficaram na Alemanha, era sobre a vida na colônia e as atividades do marido que ela colocava seu foco.

Quando ela morreu, em 1890, o maior "agitador" da Joinville do século 19 abandonou seu envolvimento com as decisões e atividades da cidade. Tinha 72 anos e preferia permanecer na casa que, mais do que um lar, era um santuário.

Ele levara dez anos para construir a residência que daria a ele e à esposa mais conforto do que a casinha "apertada e baixa" onde viviam desde a chegada ao Brasil.

"A posição da casa foi escolhida de tal modo que as suas dependências não sejam incomodadas pelo sol do meio-dia e pelo sol da tarde", contava Ottokar em carta enviada à irmã, Thekla, que vivia na Alemanha.

Desenhou a planta de forma que o imóvel fosse uma construção imponente e carregada de simbolismos. A varanda forma um "v", em formato de compasso, o que, na maçonaria, significa "possibilidades de conhecimento". A casa foi construída em "L", que simbolizaria equidade, disciplina e retidão, de acordo com as pesquisas do arquiteto Walter Guerreiro.

Na entrada, ainda, encontra-se um brasão com o símbolo da família Doerffel. Há também uma flor de acácia aplicada na fachada, símbolo do mestre maçom, significando a imortalidade da alma e a pureza de caráter. Ele ainda mistura elementos góticos, nos arcos ogivais do alpendre, e romanos, em folhas de acanto nos pilares.

Nos anos 1970, o casarão — que era chamado de castelinho por sua imponência — tornou-se a sede do Museu de Arte de Joinville (Maj). Ele permanece, com suas características e peculiaridades, ao fundo do longo jardim por onde Ottokar gostava de caminhar até o fim da vida, em 1906. É a mais antiga edificação ainda existente em Joinville.

Robertson
Enviado por Robertson em 25/03/2018
Reeditado em 25/03/2018
Código do texto: T6290568
Classificação de conteúdo: seguro