ACASO

A casa da fazenda fora construída sem um projeto arquitetônico, sem uma planta com cálculos e posições, não foi sondado o solo, as influências aeólicas ou as pluviais, os lençóis freáticos, tão pouco a mística das posições de nascente e poente, oriente ou ocidente, somente foi feita naquele local e daquela forma por acaso. Lembrou se apenas do pássaro João de Barro, que por acaso constrói sua casa com a porta na direção correta para livrar-se dos ventos e chuvas, e assim tudo deu tão certo que o clima interno da casa é sempre positivo, sempre agradável, reconfortante.
As janelas enormes e os caixilhos de madeira com vidros que deslizavam na vertical permitiam a circulação de ar e a entrada de intensa claridade. Internamente a decoração rústica, com as cortinas das janelas e dos vãos de portas em tecido de algodão e desenhos em xadrez bem miudinho nas cores azul e branco, dava a sensação de estarem sempre recém lavadas com sabão quarado de cinza, e assim cheirando a limpeza. O piso da sala de jantar anexo à cozinha, era de tijolos de barro, combinando com o fogão de lenha com as laterais revestidas de cimento com pó de vermelhão. A mesa de madeira bastante surrada pelo tempo de uso permitia ver nas bordas as marcas das tarraxas de fixar as pequenas máquinas manuais de moer carne, grãos de café e até de fazer massa de macarrão. Tudo ali era tão comum às casas de fazendas daqueles tempos, que se tornaram marcos na arquitetura colonial.
Ah! Mas o acaso, esse dom natural se é que podemos assim chamar, parece ser apenas para os de modo de vida natural.
As rugas bastante acentuadas na testa, ao redor dos olhos e no pescoço, lembravam os sulcos abertos pelo bico de um arado quando tombando a terra para o plantio. Os cabelos, apenas um pouco grisalho. O rosto recém escanhoado brilhava sob o efeito da intensa claridade que penetrava naquela sala. Ali sentado em uma cadeira e apoiando os cotovelos naquela mesa de madeira, aquele senhor de mais ou menos cinqüenta anos, parecias estar em transe, quem poderia imaginar seus pensamentos. Seu rosto naturalmente irradiava serenidade, proveniente dos anos já vividos, das experiências acumuladas. Quando soltava sua voz, esta saia tão calma e compassada, e sempre no mesmo tom trazendo frases simples porem repletas de sabedoria, era mesmo um calmante ouvi-lo, e se o fizesse por algum tempo corria o risco de adormecer. De hábitos simples, singelos mesmo, sem escolaridade nenhuma tinha nas virtudes comuns e herdadas, sua escola. Pautava seu viver mesmo sem saber no acaso, no por acaso, o que é tão comum a estas pessoas, e o mais interessante é que o acaso as conduz, as protege.
A simples rodovia que liga cidades pequenas e interioranas, como toda estrada ou caminho abre possibilidades, conduz o físico e o psíquico. Era possível viajar com calma, observando tudo em volta, os campos de plantação, as casas com os animais próximos, as árvores imensas produzindo sombras nos dias de sol quente, as cercas próximas à estrada, os barrancos de terra arenosa, as lagoas. Mais distantes podia ver as montanhas, a serra, e a imaginar por detrás desses morros o que podia ter. Em determinado trecho da rodovia, havia um reflorestamento de eucaliptos. Em ambos os lados às árvores eram bem grandes, e quando se adentrava naquele trecho parecia que para todos os lados havia árvores, e as sensações sentidas mudavam de repente. O frescor da brisa naquela floresta juntamente com o perfume característico do eucalipto, o visual sempre igual provocava calma, serenidade, tornava o momento muito agradável.
Em meio à floresta numa curva com descida acentuada, abria-se uma estrada secundária e de terra. Após alguns quilômetros por essa estrada chegava-se ao final do reflorestamento, mais outros tantos quilômetros chegava-se a um povoado. Incrível, com igreja que parecia mais uma capela pelo seu tamanho e forma, a praça muito bem cuidada com muitas flores e árvores, os bancos em madeira e ferro, os canteiros contornados por pequenos arcos de ferro, os postes com luminárias. As casas de alvenaria e outras de madeira rodeavam a praça e a igreja, a venda ou loja de comércio, tinha uma grande varanda com mesas e cadeiras, tudo, tudo lembrando há um tempo já passado. Escondido naquele lugar em que não se podia avistar da estrada em nenhum momento devido à sua localização, existia e resistia ao tempo aquele aldeamento. Com certeza, muito pouca gente sabia desse lugar, e quem não conhecia, somente chegava até ali por acaso.
Era nesse povoado, numa casa de fazenda que podia encontrar aquele senhor com grande serenidade e sabedoria, e quando alguém se aproximava dele parecia adivinhar quais eram os problemas, as dores dessa pessoa, e de imediato as sábias frases tornavam-se conselhos que cabiam como luvas, e esta pessoa sentia que por acaso aquele senhor sabia de seus problemas, que por acaso chegara a aquele lugar, e agora com os pensamentos sublimados ia de volta a estrada que agora conduzia mais o psíquico que o físico.
Ah!, por acaso há sempre e no mínimo duas possibilidades, dois caminhos, duas estradas em sua vida, acaso já pensou nisso?
                        
                                                 Com o consentimento do Autor:
                                                                 Paulo C. Rozeto.